EXCURSO AO TEMA DA CONSCIÊNCIA DO NOTÁRIO E DA CONSCIÊNCIA DO REGISTRADOR: A EDUCAÇÃO DOS CONCURSANTES (parte 6)
Após galgar os primeiros degraus que permitem o acesso à ciência e à sabedoria −quais sejam, a leitura (lectio) e a meditação (cogitatio)−, tratemos agora, concisamente, do terceiro degrau para a elevação aos referidos hábitos intelectuais: a oração (oratio).
Abro um parêntese inicial: aqui não se tratará de uma referência especificamente religiosa, sequer de teologia revelada. Mas, sim, algo de teologia racional. De toda a maneira, contudo, não deixarei de indicar-lhes minha convicção pessoal acerca do tema religioso, porque, se considero já uma vergonha que, por força do respeito humano e da conformação com o politicamente correto, as pessoas em geral omitam publicamente sua fé, mais vergonha e ainda escândalo há em que pensadores que se afirmem católicos ladeiem suas convicções e até as menosprezem para acomodar-se ao mundo. Ao menos, em meu caso, não é preciso sindicar minha fé: eu sempre a deixo prontamente confessada. Entre meus muitos pecados (vae mihi!), não acho este, porém, de esconder a candeia sob o alqueire.
Queria sugerir-lhes a consideração atenta de um texto de Thomas Merton, recolhido das páginas de sua imperdível autobiografia (é um dos melhores livros que já li) A montanha dos sete patamares, que compulso na tradução de meu saudoso professor José Geraldo Vieira:
"Existe em cada intelecto uma exigência natural por um verdadeiro conceito de Deus: nascemos com sede de conhecê-Lo e de vê-Lo, e por conseguinte não podia ser de outra forma. [§] Sei que muitas pessoas são ou se chamam de «ateus» simplesmente porque se sentem repelidas e ofendidas por afirmações sobre Deus feitas em termos imaginários e metafóricos que elas não conseguem interpretar nem compreender. Recusam esses conceitos de Deus não porque menosprezem Deus, mas talvez porque pedem uma noção d'Ele mais perfeita do que a que geralmente encontram (…)."
Bem se entenda: por sua própria natureza racional, o homem, à vista das coisas todas, inclina-se a reconhecer a suprema existência de Deus e tende a uma religiosidade natural: não há povo, não há mesmo um homem −disse Antal Schütz (1880-1953), em que não pulse "a imagem da divindade misteriosa, oculta, temível e, ao mesmo tempo, bondosa, a imagem de nosso criador, de nosso senhor e de nossa esperança". A religião não é somente uma virtude sobrenatural, senão que também um hábito natural: reverenciar seu Criador é algo conatural ao homem (S.Tomás, S.th., I-II, 109, 3).
Assim, ainda no plano de uma religião natural, encontra-se a ideia e a realidade da oração a Deus. E essa oração é o terceiro degrau do acesso à ciência e à sabedoria, porque, por meio da oratio pedimos as luzes necessárias para conhecermos a verdade, dirigimo-nos ao Criador para que nos ilumine sobre a realidade das coisas. Hugo de S. Vítor deixou dito que a leitura dá inteligência; a meditação, fornece o conselho; a oração, pede…
Pela oração, o homem eleva-se a Deus (ascensus intellectus ad Deum, definiu-a S. João Damasceno), impetrando os bens espirituais, intelectuais, morais e materiais de que o homem tem necessidade, e, quanto aos bens intelectuais −que são os que aqui mais de perto consideramos−, a oração, com suas devidas condições, a oração realmente devota beneficia o entendimento em intensidade e em profundidade.
De S.Tomás de Aquino, cuja elevadíssima inteligência é admirada até pelos que são avessas a sua doutrina, dizem seus biógrafos que permanecia largo tempo em oração, junto ao Sacrário, pedindo luzes para compreender a realidade das coisas.
É do mesmo S.Tomás a autoria de uma oração que se sugere para os que estudam:
"Criador inefável, que, dos tesouros da vossa Sabedoria, elegestes três hierarquias de Anjos e as colocastes em uma admirável ordem acima dos céus; vós, que distribuístes com beleza as partes do universo e a quem chamamos Fonte da Luz e Sabedoria e princípio supereminente, dignai-vos infundir sobre as trevas da minha inteligência um raio de vossa claridade e removais a dupla escuridão na qual nasci: o pecado e a ignorância.
Vós, que a língua das crianças fazeis eloquente, tornai erudita a minha língua e derramai sobre meus lábios a graça da vossa bênção. Dai-me agudeza de inteligência, capacidade de reter, método e facilidade no estudar; da sutileza para interpretar e de me expressar, dai-me a copiosa graça. Instruí meu começar, dirigi meu progresso e aperfeiçoai o meu fim.
Vós, que sois verdadeiro Deus e verdadeiro homem e reinais pelos séculos dos séculos. Amém."
Há também da mesma oração uma fórmula abreviada: "Ó Deus misericordioso, concedei-me: desejar com todo o ardor, inquirir com toda a prudência, conhecer com toda a veracidade e cumprir com toda a perfeição aquelas coisas que sejam do Vosso agrado, para louvor e glória do Vosso nome. Amém."