O imaginário popular, muitas vezes alimentado por manchetes, mantém a crença de que todo dono de cartório é milionário. Essa narrativa, repetida sem apuração, sugere que qualquer serventia extrajudicial seria uma fonte inesgotável de lucro. No entanto, quando se examinam os números, a legislação e o modelo de funcionamento dos cartórios, essa ideia se mostra distante da verdade.
Os cartórios são serviços públicos delegados pelo Estado a profissionais aprovados em concurso público de provas e títulos. Esses profissionais, tabeliães e registradores, assumem a responsabilidade de manter a serventia em funcionamento, sem receber qualquer subsídio governamental. O regime é de custeio próprio, ou seja, toda a estrutura de funcionamento deve ser financiada exclusivamente pela receita gerada com os serviços prestados.
As despesas de um cartório incluem salários de funcionários, encargos trabalhistas e previdenciários, benefícios obrigatórios e opcionais, serviços de contabilidade, assessoria jurídica, contas de consumo como energia elétrica, água, internet e telefonia, aluguel em casos de imóveis não próprios, sistemas informatizados, digitalização de acervos, compra e manutenção de equipamentos, papelaria, selos, biometria, manutenção predial, adequações para acessibilidade, treinamento de equipe e serviços de segurança.
Nesse contexto, surgem as chamadas serventias deficitárias, aquelas que não conseguem arrecadar o suficiente para cobrir suas próprias despesas. Esse cenário é mais comum em municípios pequenos e distritos afastados, onde a demanda por registros é baixa. Mesmo nessas localidades, a lei exige que o cartório permaneça aberto e disponível à população, prestando todos os serviços gratuitamente quando necessário. Além das serventias de Registro Civil, outras serventias deficitárias, principalmente as de RTDPJ (Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas), também enfrentam dificuldades financeiras em cidades pequenas.
Em julho de 2025, o Fundo de Apoio ao Registro Civil das Pessoas Naturais (Funarpen) garantiu a sobrevivência de 166 cartórios deficitários no Paraná, que desembolsou, no mesmo mês, R$ 1.934.499,69 para assegurar a renda mínima dessas unidades. O número elevado de serventias vagas no estado também evidencia a dificuldade de manutenção e gestão em regiões menos populosas.
“Há uma percepção equivocada de que todos os cartórios são altamente lucrativos, quando, na realidade, muitos funcionam com dificuldades financeiras e dependem de fundos de compensação para se manter. É preciso lembrar que os cartórios prestam serviços essenciais à sociedade, como os registros de nascimento e de óbito, que são gratuitos. Manter uma serventia envolve diversos custos operacionais e administrativos, e muitas vezes a receita gerada pelos serviços não é suficiente para cobri-los. A sustentabilidade dessas unidades depende, portanto, do equilíbrio financeiro proporcionado pelos fundos de compensação, garantindo que toda a população tenha acesso a direitos básicos de cidadania. Além disso, há necessidade de atualização da tabela de emolumento, visto que sem essa medida legal, há um grave risco de comprometimento da qualidade e continuidade na prestação desses serviços essenciais”, afirma o presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR), Mateus Afonso Vido da Silva.
O Funarpen foi criado para compensar a gratuidade de atos como registros de nascimento e óbito e para suplementar a receita de serventias com baixa arrecadação. É constituído por contribuições recolhidas de todos os cartórios do estado, que destinam parte de sua receita para formar o fundo. O funcionamento do fundo responde a uma necessidade social e jurídica.
O registro de nascimento é o primeiro documento do cidadão, indispensável para que ele exista perante o Estado e tenha acesso a direitos básicos como educação, saúde, benefícios sociais e voto. O registro de óbito, por sua vez, é importante para regularizar questões patrimoniais, previdenciárias e familiares. Ambos são atos gratuitos para a população, mas têm custos para as serventias. Sem uma forma de compensação, os cartórios de menor arrecadação não conseguiriam se sustentar e a população ficaria desassistida.
Assim, os dados demonstram que a ideia de que todos os cartórios são milionários não se sustenta. A realidade da maioria é marcada por altos custos de manutenção e, em muitos casos, déficit financeiro. O mito do cartório milionário ignora a função social dessas unidades e a necessidade de fundos de compensação para garantir que os serviços continuem chegando, de forma gratuita e acessível, a toda a população.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Anoreg/PR