IRTDPJBrasil - Artigo - A Medida Provisória nº 1.085/21 e o Registro de Títulos e Documentos

IRTDPJBrasil - Artigo - A Medida Provisória nº 1.085/21 e o Registro de Títulos e Documentos

Introdução

Inicialmente, desejamos elogiar a iniciativa do Governo Federal ao editar a Medida Provisória nº 1.085/2021, por significar grande e necessário avanço na estrutura e funcionamento do Sistema Brasileiro de Registros Públicos, consolidando e aprimorando um movimento que, na verdade, os Ofícios de Registros Públicos já vinham fazendo há muitos anos, em especial os da especialidade de Registro de Títulos e Documentos.

Segundo o disposto na MP, o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP será integrado pelos oficiais dos registros públicos de que trata a Lei nº 6.015, de 1973 (§ 1º do art. 3º), quais sejam, os oficiais de registro de Imóveis, de registro de títulos e documentos, civil de pessoas jurídicas e de registro civil das pessoas naturais, que estão obrigados a integrá-lo (inclusive os interinos responsáveis pelo expediente), promover sua implantação e funcionamento (cfe. art. 4º).

E para a implementação e custeio do SERP a MP 1085/21 criou o Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – FICS, que deverá ser subvencionado pelos oficiais dos registros públicos, segundo normas a serem editadas pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.

Conforme previsto no art 7º, inciso VI, da MP nº 1085/21, as centrais de cada especialidade registral serão integradas ao SERP, que deverá disponibilizar ao público usuário e aos agentes públicos as informações necessárias, nos termos a serem estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ do CNJ, em especial quanto:

I – às garantias de origem legal, convencional ou processual, aos contratos de arrendamento mercantil financeiro e às cessões convencionais de crédito, constituídos no âmbito da sua competência; e

II – aos dados necessários à produção de índices e indicadores estatísticos.

Características e âmbito de aplicação

O SERP tem como uma de suas mais importantes inovações a centralização e universalização das informações sobre os registros públicos, em especial quanto às garantias, restrições legais, judiciais ou administrativas incidentes sobre bens móveis e imóveis, em um só local. E faz isso ao passo que moderniza e simplifica procedimentos registrais previstos na Lei dos Registros Públicos – Lei 6.015, editada no longínquo ano de 1973, quando sequer havia computadores pessoais, internet, assinaturas digitais, armazenamento em nuvem e outras facilidades da era da informação.

Portanto, a norma é de relevante interesse para a sociedade brasileira, por trazer inovações que fortalecem e simplificam o sistema que provê segurança jurídica aos atos e fatos da vida e das relações entre pessoas físicas e jurídicas, do que são esteio os Ofícios de Registros Públicos, na medida em que promove a concentração de informações e um melhor acesso dos usuários aos serviços e dados disponíveis nestes, o que é essencial a uma sociedade democrática e a um pujante e seguro ambiente de negócios.

Em suma, o SERP veio possibilitar que os serviços dos Ofícios de Registros Públicos possam ser acessados pelos usuários à distância, eletronicamente, viabilizando que atos registrais possam ser realizados, publicizados e certificados em meio eletrônico.

Mas é preciso enfatizar que a revolução operada pelo advento do SERP será tanto maior quanto mais promover a universalização, centralização e unificação em um único portal, acessível eletronicamente, dos dados dos registros públicos, ainda que com partições para cada modalidade – bens móveis, imóveis, pessoas jurídicas, pessoas naturais, convolando uma realidade em que imperavam registros locais, seccionados por espécies de bem, mesmo quando da mesma natureza, em razão mesmo de interesses nada republicanos, publicidade pulverizada e acesso local, para registros de abrangência universal, quanto às transações com bens de determinada natureza, publicidade e acesso nacional, agregando em um só portal eletrônico todas as especialidades de registros públicos, quais sejam: Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documentos, Registro Civil de Pessoas Jurídicas e Registro Civil de Pessoas Naturais.

Faceta não menos importante é que a referida centralização manteve a extensa e capilarizada rede de Ofícios de Registros Públicos, presente em todos os rincões do nosso país, o que lhe dota de característica única, de muita utilidade aos entes federativos, porque, ao passo que pode ser acessada eletronicamente de qualquer parte do planeta, em um só portal eletrônico, também está presente fisicamente em todas as localidades de nosso país, permitindo aos usuários acessá-la fisicamente, em caso de impossibilidade transitória de acesso eletrônico, ou de dificuldade, inerente a determinado usuário, no uso de dispositivos eletrônicos para este fim, o que significa redundância imprescindível para serviço público tão essencial ao exercício da cidadania e à segurança das relações jurídicas, tornando mais acessível, contínua e eficiente a prestação de segurança jurídica pelo estado.

Pelo exposto, pode-se compreender que a reestruturação do Sistema Brasileiro de Registros Públicos, conjugando acesso eletrônico centralizado e físico capilarizado, credencia-o como importantíssimo player da modernização do estado brasileiro, que poderá dispor dessa unificada e ao mesmo tempo extensa e capilarizada rede prestadora de serviços públicos de elevada qualidade, segurança jurídica e fiscalização pelo Poder Judiciário, mediante atuação de agentes isentos, de elevada qualificação profissional e dotados de fé pública, cujos atos, por isso mesmo, gozam de presunção de veracidade. E tudo isso sem onerar o estado ou a sociedade indistintamente, mas apenas as partes interessadas nos atos levados a registro.

Um sem número de possibilidades se abre para a utilização do novo Sistema Brasileiro de Registros Públicos, na prestação de serviços para entes públicos ou privados que requeiram agentes isentos, fé pública, presunção de veracidade e segurança jurídica, que são pré-requisitos indispensáveis à prestação de serviços da natureza dos notariais e de registro, como um dos esteios de uma sociedade republicana e democrática, razão essa pela qual o legislador constituinte lhe deu importância constitucional, pela inserção do art. 236 na CR-88, a dizer que se o estado desejar delegar a prestação de um serviço público, deverá fazê-lo aos agentes que dotou dos predicados necessários.

Operacionalização dos objetivos do SERP

Os objetivos do SERP estão definidos no artigo 3º da MP 1.085/2021, e incluem permitir o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos, a interconexão e interoperabilidade das bases de dados entre as serventias de registros públicos e entre estas e o SERP, propiciando o acesso remoto dos usuários, através da Internet, a recepção e o envio de documentos e títulos, a visualização de atos registrados ou averbados, a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico, inclusive de forma centralizada, para distribuição posterior às competentes serventias de registros públicos.

Entre os objetivos do SERP estão ainda o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre as serventias de registros públicos e entes públicos, inclusive com o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos – SIRA (art. 13 da Lei 14.195/2021), os usuários em geral, as instituições financeiras e as demais autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, bem como com ostabeliães, que poderão enviar documentos para registro ou averbação.

Conforme previsto no inciso X, do art. 3º da MP 1085/21, o SERP permitirá a consulta centralizada relativamente aos atos, documentos e títulos registrados em todos os Ofícios de Registros Públicos do País, cada qual na partição relativa à especialidade do registro público. Consultas essas relativas a:

  1. a) indisponibilidades de bens decretadas pelo Poder Judiciário ou por entes públicos;
  2. b) restrições e gravames de origem legal, convencional ou processual incidentes sobre bens móveis e imóveis registrados ou averbados nos registros públicos; e
  3. c) aos atos em que a pessoa pesquisada conste como devedora de título protestado e não pago, garantidora real, arrendatária mercantil financeiro, cedente convencional de crédito ou titular de direito sobre bem objeto de constrição processual ou administrativa.

Importantíssima inovação operacional introduzida pela MP 1.085/2021 consiste na possibilidade de registros serem efetivados mediante envio pelos interessados, através do SERP, de “extratos eletrônicos para registroou averbação de fatos, atos e negócios jurídicos nos Ofícios de Registros Públicos”, tendo ficado delegado à Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, a definição dos documentos que poderão ser substituídos por extratos, o formato destes e os dados que deverão conter.

E quanto a este ponto é importante notar que os referidos “extratos eletrônicos para registro” deverão ser elaborados e certamente subscritos eletronicamente pelos interessados que os elaborarem, segundo os padrões estabelecidos pela CNJ do Conselho Nacional da Justiça, de modo que passarão a constituir documento apresentado a registro, cuja responsabilidade pela fidedignidade dos dados neles lançados será daqueles que os elaborarem. Portanto, seu registro necessariamente consistirá no registro de inteiro teor do documento denominado “extrato eletrônico para registro”, a ser efetivado no livro B, de registro integral de títulos e documentos.

Alguém poderia imaginar que em razão do termo “extrato” o registro dos “extratos eletrônicos para registro”, quando nos Ofícios de RTD, deveria ocorrer no Livro C, de registro “por extração, de títulos e documentos”, o que consideramos um equívoco. É que o registro no livro C se dá por extração dos dados exigidos pela Lei dos Registros Públicos diretamente do documento original apresentado para registro, o que deve ser feito pelo oficial registrador ou preposto seu durante o procedimento de registro, que é de sua responsabilidade, como titular da serventia. E obviamente tal coisa não poderá ocorrer em face da apresentação para registro dos documentosdenominados “extrato eletrônico para registro”, elaboradospor parte interessada no registro, que fez a extração dos dados nele inseridos a partir do documento original.

E isso fica claro se imaginarmos a circunstância em que, posteriormente ao registro no Livro C, constate-se a existência de dados que não correspondem ao que consta do documento original que deu origem ao “extrato eletrônico para registro”. Em tal caso, como se poderá apurar a responsabilidade, se apenas os dados tiverem sido transpostos para o Livro C, não tendo ficado registrado o extrato? Quem cometeu o erro? O oficial registrador durante o procedimento para registro, que é de sua responsabilidade, ao transpor os dados do extrato para o livro C, ou a parte que o elaborou, quando, então a responsabilidade seria sua, e não do registrador? Não haveria como saber, porque o inteiro teor do documento “extrato eletrônico para registro” não estaria conservado pelo registro.

Tratando-se de “extrato eletrônico para registro” apresentado como documento constituído por parte interessada no registro, é desta a responsabilidade pela fidedignidade dos dados nele inseridos, que assim passa a ser, de fato, o documento efetivamente apresentado para registro, cabendo ao oficial, na qualificação desse título, seguindo a regulação a ser editada pela Corregedoria Nacional de Justiça, apenas aferir se contém os dados exigidos na norma (mas não sua fidedignidade ao documento original, por ser isso impossível), razão pela qual só poderá ser objeto de registro integral, de inteiro teor, no livro B (ou de outra letra, em razão de desdobramento do livro de registro integral, conforme permitido pela LRP-art. 134), o que não só se nos afigura o correto juridicamente, porque em conformidade com o disposto na Lei dos Registros Públicos, mas também por ser o que se coaduna com o espírito da MP nº 1.085/2021, porque possibilitará a desejada automação do registro eletrônico desses documentos.

Adite-se que, conforme o disposto no art. 157 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73), “o oficial, salvo quando agir de má-fé, devidamente comprovada, não será responsável pelos danos decorrentes da anulação do registro, ou da averbação, por vício intrínseco ou extrínseco do documento, título ou papel, mas, tão somente, pelos erros ou vícios no processo de registro” (grifos deste autor).

Se, no entanto, apesar do que acima foi exposto, concluir-se pela utilização do Livro C para o registro dos extratos previstos na MP 1.085/2021, então, em nosso entendimento, a norma a ser editada também devesse determinar a inserção automática dos seus dados no Livro C – eletrônico das serventias, após a também automática verificação de que todos os campos de dados do extrato eletrônico estão preenchidos, e aferição, pela qualificação do oficial registrador ou preposto, de que são da espécie exigida em cada campo do formulário (mas a fidedignidade dos dados ao original não poderá ser verificada, pela ausência deste documento). Em tal caso também entendemos ser adequado e conveniente o arquivamento do documento “extrato”, incólume, em repositório eletrônico em separado, mas vinculado ao respectivo número de registro, para a eventualidade de ser necessária alguma auditoria, em face de falha na fidedignidade dos dados em relação ao documento original, que seja constatada posteriormente, de modo a resguardar a responsabilidade dos oficiais de registro. Portanto, conforme é possível perceber, o registro dos “extratos eletrônicos para registro” no Livro C, de registro resumido, significará agregar complicação ao que se pretendeu ser simples e até automático.

 Modificações da Lei dos Registros Públicos

A MP 1.085/2021 também promove mudanças de grande importância na Lei dos Registros Públicos, algumas em sua parte geral, importantíssimas, que comentaremos muito rapidamente, porque não apresentam maiores dificuldades de interpretação quanto às suas consequências, outras na parte relativa a outras especialidades de registros públicos. Nos deteremos naquelas que modificaram normas relativas à especialidade de registro de títulos e documentos, que passaremos a abordar na sequência dos artigos modificados.

Na parte geral da Lei dos Registros Públicos, as modificações mais relevantes, do ponto de vista dos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos são as seguintes:

  • a primeira e a nosso ver mais relevante inovação é a contida no § 1º, do art. 1º, da Lei dos Registros Públicos, com o seguinte conteúdo:

“os registros serão escriturados, publicizados e conservados em meio eletrônico, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, em especial quanto aos:: I – padrões tecnológicos de escrituração, indexação, publicidade, segurança, redundância e conservação; e II – prazos de implantação nos registros públicos de que trata este artigo”.

Logo, tal norma não é autoaplicável, dependendo da normatização referida, e, é complementada pelo contido no art. 7º-A, que reza não se aplicarem à escrituração eletrônica as normas sobre livros físicos que são previstas nos art. 3º a art. 7º da mesma Lei dos Registros Públicos. Portanto, uma vez regulamentada a disposição legal, os ofícios de registros públicos estarão dispensados da irracional, custosa e predatória ao meio ambiente impressão de livros.

  • Outra norma inovadora de importância é a veiculada na nova redação dada aos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 9º da LRP, prevendo que:

1º – “serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e anos”;

2º –  “Para fins do disposto no § 1º, consideram-se: I – dias úteis – aqueles em que houver expediente; e II – horas úteis – as horas regulamentares do expediente;

3º – “A contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios estabelecidos na legislação processual civil.”

  • Norma importante também é encontrada no § 1º inserido no artigo 17 da LRP, pela MP nº 1.085/2021, prevendo que:

“§ 1º. o acesso ou o envio de informações aos registros públicos, quando realizados por meio da internet, deverão ser assinados com o uso de assinatura avançada ou qualificada de que trata o art. 4º da Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça”.

Redação essa que consideramos dúbia, porque, como se verá no parágrafo 2º, que também inseriu no mesmo artigo, parece que a intenção foi autorizar o uso de assinaturas avançadas ou qualificadas não apenas para “acesso ou envio de informações”, mas também para subscrição de atos destinados a registro, porque no § 2º o legislador reza que:

“§ 2º. Ato da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça poderá estabelecer hipóteses de uso de assinatura avançada em atos envolvendo imóveis”

Ou seja, a impressão é que o legislador, considerando já ter autorizado o uso de assinaturas avançadas para a subscrição da atos registrais levados a registro, se preocupou em condicionar isso à regulamentação da CNJ do CNJ, quando se tratar de imóveis, para os quais sempre é exigida maior solenidade e rigor nas formalidades contratuais, por serem bens de maior valor e importância social.

  • Outras inovações na Lei dos Registros Públicos que guardam alguma relevância para os Ofícios de RTD são as contidas nos parágrafos 6º e 8º, inseridos em seu artigo 19, que preveem a possibilidade dos usuários poderem solicitar a qualquer ofício de registro certidões eletrônicas relativas a atos registrados em outro, o que será operacionalizado através do SERP, segundo normas a serem estabelecidas pela CNJ do CNJ (§6º), bem como a disponibilização, através do SERP, da visualização eletrônica dos atos transcritos, praticados, registrados ou averbados nos Ofícios de Registros, conforme forma e nos prazos a serem estabelecidos pela CNJ do CNJ.

Já a primeira modificação feita na parte da Lei dos Registros Públicos – LRP atinente exclusivamente aos ofícios de registro de títulos e documentos foi a revogação do inciso IV do artigo 127, que previa a transcrição (registro de inteiro teor) dos contratos de penhor de animais, não compreendidos nas disposições do artigo 10 da Lei nº 492, de 30 de agosto de 1934, que era serviço praticamente nunca solicitado, e que talvez seja medida já adotada para coerência da nova reconfiguração do sistema de garantias ora em curso no país.

A segunda modificação da LRP, no que concerne aos ofícios de RTD, foi a introdução do 127-A, estabelecendo que o registro facultativo para conservação de documentos, já anteriormente previsto no inciso VII do art. 127, da mesma LRP, terá finalidade restrita ao arquivamento, autenticação de existência do documento, seu conteúdo e data, não gerando efeitos em relação a terceiros, porque não receberá a publicidade registral, visto que o acesso ao conteúdo do documento registrado será restrito ao requerente ou a quem este autorize e às autoridades tributárias e judiciais.

Ainda na mesma disposição há a inovação consistente em que um “conjunto de documentos” poderá ser apresentado para fins de registro, caso em que o objeto do registro será referido conjunto, e não individualmente cada documento que o integre, o que deverá gerar na serventia apenas um único número de protocolo e outro de registro.

Então, há que se considerar que em tais casos será parte apenas o apresentante, proprietário do “conjunto de documentos” a ser conservado, sendo seu nome o único a figurar nos indicadores.

Referida modalidade de registro para conservação de “conjunto de documentos” já havia sido inserida por normas do extrajudicial de alguns estados, como os de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Neste último, recebeu a denominação de “custódia de acervos documentais”, com as mesmas restrições de acesso, publicidade e não oponibilidade a terceiros.

A importância dessa inovação é que muitas empresas e entidades precisam guardar grande número de documentos, por diversas razões, como prontuários médicos, contratos, documentos fiscais e muitos outros.

O art. 3º, inciso X, da Lei nº 13.874/2019, Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, prevê que é direito de toda pessoa, natural ou jurídica arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou conversão de documentos em papel para o meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público.

E como decorrência do direito referido no parágrafo anterior, o artigo 2-A, da Lei 12.682/12, nela inserido pela mesma Lei nº 13.874/2019, Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, autoriza o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos públicos ou privados, compostos por dados ou por imagens, observado o que nela está disposto, nas legislações específicas e em seu regulamento, Decreto nº 10.278/2020.

O Decreto nº 10.278/2020 estabelece a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que suas imagens digitais possam vir a produzir os mesmos efeitos legais dos documentos originais, aduzindo o § 4º do artigo 2-A, acima referido, que “os documentos digitalizados conforme o disposto neste artigo terão o mesmo efeito jurídico conferido aos documentos microfilmados, nos termos da Lei nº 5.433/1968, e de regulamentação posterior”. A seu turno, o Decreto nº 1.799/1996, que regulamentou a Lei nº 5.433/1968, em seu artigo 14 prevê que os documentos microfilmados só produzirão efeitos legais em juízo ou fora deles se certificados pelos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos em que validados os filmes originais.

Ou seja, a conclusão obrigatória do encadeamento das disposições acima referidas é que para as imagens de documentos digitalizados nos termos previstos no artigo 2-A da Lei 12.682/12 e seu regulamento possam ser oponíveis a terceiros deverão se submeter a procedimento semelhante àquele a que se têm que submeter os microfilmes para que suas imagens sejam oponíveis a terceiros, procedimento esse que deve ser realizado junto aos ofícios de registro de títulos e documentos.

Sim, porque as imagens em microfilmes, sem o procedimento para que adquiram oponibilidade a terceiros, constituem elementos de prova simples, sem maior lastro probatório, podendo, nesta condição, ser utilizadas para comprovar algum ato ou fato, mas sua força probatória estará condicionada à comprovação da fidedignidade das imagens obtidas aos documentos originais (ou ficará na dependência de elementos constantes nas mesmas permitirem, por outro meio, a aferição da sua validade), se a pessoa a quem forem opostas as imagens alegar sua falsidade, porque em circunstâncias que tais o ônus da prova caberá ao proprietário que promoveu a elaboração do microfilme, por não ser ele, ou quem a promoveu a seu pedido, agente dotado de fé pública.

No entanto, se o microfilme tiver sido submetido ao procedimento previsto na Lei nº 5.433/1968 e seu regulamento, passando pelo crivo de agente público dotado de fé pública, no caso, um Oficial de Registro de Títulos e Documentos, tendo em vista que os atos destes profissionais gozam de presunção de veracidade, o ônus da prova caberá a quem alegar a falsidade.

E é pelo exposto que o § 4º do artigo 2-A, da Lei 12.682/2012 estatui que as imagens de documentos digitalizadas segundo o procedimento por ele estatuído e seu regulamento “terão o mesmo efeito jurídico conferido aos documentos microfilmados”. Porém, não qualquer documento microfilmado, como esclarece logo adiante na redação do dispositivo, mas apenas àqueles microfilmados e submetidos ao que preveem a Lei nº5.433/1968 e seu regulamento (Decreto nº 1.799/1996). Ou seja, ao remeter aos termos da Lei nº 5.433/1968 e seu regulamento, claramente criou um paralelismo, estendendo às imagens digitalizadas a possibilidade de adquirirem força probatória com presunção de veracidade, desde que submetidos ao procedimento previsto para os microfilmes.

Obviamente ninguém está obrigado a submeter seus microfilmes a referido procedimento, do mesmo modo que ninguém está obrigado a fazê-lo com relação a imagens digitalizadas, mas será inafastável que a força probatória em ambos os casos estará limitada à ausência de impugnação, casos em que o proprietário do microfilme ou do documento digitalizado terá o ônus de provar que a imagem digital é fidedigna ao original. Há casos que em razão de dados constantes na própria imagem é possível aferir sua veracidade, utilizando-os como filtro de pesquisa em bancos de dados de órgãos públicos ou privados.

Então, tal qual explicado para microfilmes, imagens digitalizadas não submetidas ao crivo de agentes dotados de fé pública (oficiais de RTD) terão valor probante limitado, visto que se houver impugnação (seja de uma imagem digital de documento original em papel, ou de um documento originariamente digital, mas corrompido), caberá a quem promoveu sua digitalização (ou permitiu que o documento nato digital se corrompesse) o ônus de provar a fidedignidade de tais imagens ao documento original, o que será impossível se o original em papel já tiver sido destruído ou não houver outra cópia incólume do documento originariamente digital.

No entanto, se o procedimento para a produção dessas imagens e documentos digitais ocorrer segundo os mandamentos legais e regulamentares, e sendo submetidos aos trâmites e requisitos para registro nos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos, considerando-se que os atos dos Oficiais de Registros Públicos gozam de presunção de veracidade, o ônus da prova quanto a uma alegada falsidade documental se inverterá, cabendo a quem a alegar.

Em razão do exposto, pode-se compreender a imensa importância de serem levadas a registro as imagens de documentos digitalizados em conformidade com o disposto no artigo 2-A, da Lei 12.682/12 e seu regulamento, bem como documentos nato digitais incólumes, neste caso como precaução contra perda ou corrupção dos arquivos originais.

Pelo exposto, a MP 1.085/2021, ao permitir o registro de conjunto de documentos para conservação e sem publicidade, vem na esteira da Lei nº 13.874/2019, Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, consolidar a possibilidade de transposição de documentos em papel para o meio digital, bem como a utilização de documentos nato digitais, com segurança jurídica estribada em sua plena oponibilidade a todos, visto que caberá o ônus da prova aos que alegarem falsidade documental de cópias digitalizadas registradas ou de documentos nato digitais cujos originais tenham se perdido ou corrompido após registrados em títulos e documentos. E tais registros de conjuntos de documentos são de valor unitário irrisório, por imagem, nos estados que já os preveem, mediante normas das Corregedorias Gerais de Justiça.

Também o artigo 129 da Lei dos Registros Públicos foi modificado pela MP 1.085/2021, tendo ocorrido a modificação da redação dos seus incisos 1º, 5º e 9º, revogação do inciso 2º, e inserção dos incisos 10º e 11º.

A modificação do inciso 1º do artigo 129-LRP não tem nenhuma importância prática, tendo sido feita para explicitamente ressalvar os casos em que os contratos de locação de bens imóveis devem ser levados para atos nos ofícios de registro de imóveis, o que já era do conhecimento de todos.

A revogação do inciso 2º do artigo 129-LRP também não tem maior relevância, haja vista tratar do registro de “documentos decorrentes de depósitos, ou de cauções feitos em garantia do cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos instrumentos”, ato este que não tinha demanda, por razões que não são de interesse ao nosso tema.

A terceira modificação feita no artigo 129-LRP foi na redação do seu inciso 5º, da qual foi suprimida sua parte final, eliminando de sua previsão de registro os contratos de alienação fiduciária, que, como mais à frente veremos, foram realocados em outro inciso do artigo (inciso 10º).

A quarta alteração operada no art. 129-LRP foi no seu inciso 9º, também sem maior importância, para retirar de sua previsão de registro os “instrumentos de cessão de direitos e de créditos”, realocados no inciso seguinte, 10º, inserido pela MP 1.085/2021.

Em seguida a MP 1.085/2021 inseriu o inciso 10º no art. 129 – LRP, nele incluindo as previsões de registro retiradas dos itens 5º e 9º, respectivamente, relativas a registro dos contratos de alienação fiduciária de bens móveis e de cessão de direitos e de créditos, mais o registro da reserva de domínio (que não constava da LRP, mas apenas do art. 522 do CCB) e do arrendamento mercantil de bens móveis (leasing).

E finalmente abordaremos a grande novidade introduzida na LRP pela MP 1.085/2021, que é o contido no inciso 11º, que inseriu no art. 129 – LRP, prevendo o registro das constrições judiciais ou administrativas sobre bens móveis corpóreos e sobre direitos de crédito, medida importantíssima para prover maior segurança jurídica para as transações envolvendo bens móveis, principalmente aqueles de mais elevado valor, que sói utilizados como garantia para a obtenção de crédito. E a importância dessa inovação se torna ainda maior se considerarmos que é objetivo do Governo Federal o incremento da utilização de bens móveis como garantia para a obtenção de crédito, de modo a torná-lo mais acessível a todos, incrementando o mercado creditício, por favorecer a redução das taxas de juros.

A operacionalização da inovação deverá ocorrer através da escrituração dos indicadores real e pessoal, que deverão ter referências cruzadas, de modo a adequadamente identificar devedores e respectivos bens ou direitos que sofrerem constrições ou forem dados em garantia. Identificação essa que deverá ser operada tanto por elementos cadastrais inerentes aos bens ou direitos, para o que o indicador real será importante, quanto por sua cadeia filiatória, que será definida com a ajuda do indicador pessoal.

A propósito do Indicador Real, este é outra importantíssima inovação inserida na LRP pela MP 1.085/2021, que recebeu a denominação de “Livro E”, em que deverão estar “matriculados” todos os bens móveis que figurarem nos demais livros, devendo conter sua identificação, referência aos números de ordem dos lançamentos nos outros livros, e anotações necessárias, inclusive aquelas relativas a direitos e ônus incidentes sobre eles, e, acrescentarmos, como sugestão que reputamos importante,  dados de sua cadeia filiatória.

É importante ressaltar que não apenas bens móveis deverão ser objeto de lavratura de indicador real, mas também os direitos de crédito, haja vista sobre eles também poderem pender restrições judiciais ou administrativas, em conformidade com o previsto no inciso 11º do art. 129 – LRP.

Retornando à sequência de nossa análise das modificações ocorridas no artigo 129 – LRP, chegamos a seu parágrafo 1º, introduzido pela MP 1.085/2021, que tem por objetivo prever que a inscrição em dívida ativa da Fazenda Pública não depende de registro para que seja oponível a terceiros, de modo que mesmo sem ele ocorrerá a presunção de que trata o art. 185 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (“Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”).

Já o § 2º do art. 129 – LRP reza que:

“§ 2º. o disposto no caput não afasta as competências relativas a registro e a constituição de ônus e gravames previstas em legislação específica, inclusive o estabelecido:

I – na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997– Código de Trânsito Brasileiro; e

II – no art. 26 da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013.”

Então, o disposto neste parágrafo 2º merece análise e considerações mais minuciosas, porque trata de tema relevante, que, em conjunto com a redação do caput pode suscitar estranheza e dúvidas.

Alguns têm considerado que, tendo em vista que na redação do caput o legislador não faz ressalvas quanto à competência dos ofícios de Registro de Títulos e Documentos – RTD para o registro dos contratos de compra e venda de bens móveis (item 5º), das quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam (item 7º – redação mantida), dos contratos com garantias de reserva de domínio, arrendamento mercantil ou alienação fiduciária de bens móveis (item 10º), nem ao registro das constrições judiciais ou administrativas sobre bens móveis corpóreos (item 11º), registros esses que podem ser relativos a veículos automotores, e sabendo-se que onde quis ressalvou a competência para registro em outro órgão, como fez, por exemplo, no item 1º, sobre locações, em que ressalvou a competência dos cartórios de Registro de imóveis para registro das cláusulas de preferência na aquisição do imóvel ou de vigência da locação em caso de venda do imóvel, então, a conclusão lógica seria a de que não desejou restringir a competência dos Ofícios de RTD para referidos registros em nenhum caso específico.

No entanto, ao rezar, no parágrafo segundo, acima reproduzido, que as disposições do caput não afastam as competências relativas a registro e a constituição de ônus e gravames previstas na legislação específica, inclusive o estabelecido nas leis que são citadas nos seus incisos I e II, temos uma redação que carece de mais minuciosa interpretação, para que se possa compreender o que realmente a redação dada ao caput do art. 129-LRP não afasta, de modo a se lograr harmonizar referidos comandos legais indicativos de competências diferentes para registro de atos semelhantes para bens da mesma espécie, o que deve ser realizado tendo por referencial as normas legais incidentes, em especial as do diploma legal de nosso direito que define os institutos de direito civil no direito brasileiro, o Código Civil Brasileiro – CCB, e o interesse público.

Iniciemos a análise da aparente contradição da redação do caput do art. 129-LRP com a do seu § 2º, pelo exame do que seria efetivamente a competência que é referida em seu inciso I, que estaria estatuída na Lei nº 9.503/1997, Código de Trânsito Brasileiro, “relativa a registro e à constituição de ônus e gravames (…)”. Neste afã, examinando referida lei de regulação do trânsito, encontramos o artigo 129-B, com a seguinte redação:

Art. 129-B. O registro de contratos de garantias de alienação fiduciária em operações financeiras, consórcio, arrendamento mercantil, reserva de domínio ou penhor será realizado nos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, em observância ao disposto no § 1º do art. 1.361 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.

Efetuado o exame da norma legal, imediatamente é possível perceber que contém em si um erro insanável, ao tratar como “operações financeiras” em que seriam pactuadas garantias de alienação fiduciária institutos jurídicos relativos a outras modalidades de garantia, como são os de “reserva de domínio” e “penhor”, tratados no Código Civil Brasileiro nos artigos 522 e 1461-1462, respectivamente.  Logo, a parte dessa norma legal atinente a “reserva de domínio” e “penhor” é nula de pleno direito, porque não são espécies de operações financeiras em que se possa pactuar “garantia de alienação fiduciária”, que é a condição em que nela são colocados esses institutos de garantia do direito civil brasileiro.

Depois, deve-se notar que a disposição acima apenas prevê que os contratos a que se refere devem ser registrados nos órgãos ou entidades executivos de trânsito, mas não diz que não podem ser registrados nos ofícios de registro público, e nem poderia, não apenas pelo vício insanável apontado no parágrafo anterior, mas, também porque as disposições que tratam do tema no Código Civil Brasileiro não foram revogadas, e o contido na parte final do art. nº 1.361 do Código Civil Brasileiro e o decidido na ADI 4333 – DF só se referem aos registros de contratos de alienação fiduciária em garantia, não abrangendo as contratações das garantias de “reserva de domínio”, nem as de “penhor de veículos”.

Já o Código Civil Brasileiro, que é a lei de regência dos institutos de direito civil em nosso país, no § 1º do seu artigo 1.361, prevê duas alternativas para a constituição da propriedade fiduciária, quais sejam, o registro do contrato no RTD do domicílio do devedor (que é a cláusula geral, aplicável a toda espécie de bem) ou seu registro “na repartição competente para o licenciamento”, como opção, quando se tratar de veículos. Vejamos:

Art. 1.361 – § 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

Conforme se pode verificar, o próprio Código Civil Brasileiro prevê que a constituição de propriedade fiduciária, em se tratando de veículos pode ocorrer pelo registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor ou na repartição competente para o licenciamento, devendo ser feita, em qualquer caso, a anotação no certificado de registro do veículo. Disposição essa que se buscou restringir por outras leis ordinárias, como a Lei 11.882/2008 (que só tratou das garantias de alienação fiduciária) ou a Lei nº 14.071/2020, que inseriu o artigo 129-B na Lei 9.503/97, estatuindo que, em se tratando de contratações de alienação fiduciária em garantia, basta o registro nos órgãos de trânsito e a anotação no certificado de propriedade do veículo – CRV.

Por outro lado, a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) sempre previu a competência dos ofícios de RTD para o registro dos contratos relativos a veículos, inclusive de garantia, o que, conforme já verificado, permanece na redação dada a seu art. 129 pela recentíssima MP nº 1.085/2021, que nada ressalvou quanto a veículos nos itens 5º, 10º e 11º, e ainda manteve, sem ressalvas, a redação do item 7º, que determina que só produzirão efeitos com relação a terceiros se registrados nos ofícios de RTD, “as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam”. Aduza-se que em relação às partes contratantes os órgãos de trânsito são terceiros, bem como que, via de regra, as garantias são pactuadas em contratos de compra e venda de automóveis, com pacto adjeto de alguma das garantias previstas no Código Civil Brasileiro.

E ainda cabe ressaltar que a redação do item 7º-art.129-LRP, acima reproduzido, que prevê o registro da garantia de penhor de automóveis nos ofícios de RTD, apenas corrobora a previsão expressa quanto a isso contida seção “Do Penhor de Veículos”, nos artigos 1461 e 1462 do Código Civil Brasileiro, que têm as seguintes redações:

Art. 1.461. Podem ser objeto de penhor os veículos empregados em qualquer espécie de transporte ou condução.

Art. 1.462. Constitui-se o penhor, a que se refere o artigo antecedente, mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, e anotado no certificado de propriedade.

Logo, além do vício de redação da disposição contida no artigo 129-B da Lei 9503/97, que trata garantias de “reserva de domínio” e de “penhor” como se fossem operações de mercado em que se pudesse pactuar garantia de alienação fiduciária, ainda que fosse possível ignorar isso, não há competência das repartições de licenciamento de veículos para o registro de contratações de penhor envolvendo veículos, em razão de expressa disposição na lei de regência dos institutos de direito civil no Brasil, Lei 10.406/2002, Código Civil Brasileiro, corroborada pelo que prevê a Lei dos Registros Públicos em seu art. 129-7º. Então, neste ponto, o disposto no art. 129-B do Código de Trânsito Brasileiro existe, mas não tem validade, nem eficácia para modificar o local de registro dos penhores de veículos, porque uma lei de regulação de trânsito não pode revogar a regulação de um instituto de direito civil feita pelo Código Civil Brasileiro.

E, por sua vez, as contratações envolvendo veículos com pacto de reserva de domínio têm previsão de registro nos ofícios de RTD estatuída no art. 522 do Código Civil Brasileiro, também corroborada na recentíssima redação dada ao item 5º do art. 129 da Lei dos Registros Públicos, sem nenhuma ressalva quanto a veículos. Assim sendo, também quanto a garantias de “reserva de domínio” o disposto no art. 129-B do Código de Trânsito Brasileiro não tem validade, nem eficácia, pelas mesmas razões acima referidas com relação ao penhor.

Portanto, quanto às garantias de “penhor de veículos” e de “reserva de domínio” por mais de uma razão não há como dar validade ao disposto no artigo 129-B da Lei 9.503/97.

Não se pode esquecer, ainda, a exclusiva competência delegada pela MP 1.085/2021 para os ofícios de RTD registrarem “as constrições judiciais ou administrativas sobre bens móveis corpóreos e sobre direitos de crédito”.

Portanto, os ofícios de RTD têm ampla competência para registrar contratos envolvendo veículos, com ou sem garantia, exclusive aqueles envolvendo as garantias de alienação fiduciária (porque sua competência foi restringida por leis posteriores, que limitaram a norma apenas à segunda parte da disposição contida no art. 1.361 do CCB), podendo-se citar as contratações de compra e venda, os recibos e quitações, as garantias de reserva de domínio e penhor de veículos, por expressas disposições contidas no Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/2002 e na nova redação dada à Lei dos Registros Públicos pela MP nº 1.085/2021, e ainda para registrar as constrições judiciais ou administrativas que sobre eles sejam impostas (incisos 10º e 11º – art. 129-LRP).

Resumindo, os ofícios de RTD têm competência legalmente estabelecida para registrar todo e qualquer contrato, ônus, gravames e constrições incidentes sobre veículos, conforme verificado nas linhas acima, em que pese sua competência para registrar alienação fiduciária em garantia ter sido restringida por leis ordinárias, que as direcionaram apenas aos órgãos executivos de trânsito, anteriormente ao advento da MP nº 1.085/2021, que deu nova redação a incisos do artigo 129 da LRP que tratam do assunto.

Já as repartições competentes para o registro de veículos, em razão da redação do artigo 1.361 do Código Civil Brasileiro, têm tão somente competência para o registro de contratos com pacto de alienação fiduciária em garantia.

Como decorrência do exame realizado, a conclusão é que a única competência que a MP nº 1.085/2021 (no § 2º – inc I, da nova redação que deu ao artigo 129 da LRP)reza não estar afastada, “relativa a registro e a constituição de ônus e gravames”, prevista na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997– Código de Trânsito Brasileiro,é aquela para as repartições competentes para o licenciamento realizarem o registro de contratos com pacto de alienação fiduciária em garantia, porque com relação às demais espécies de garantia não têm e nunca tiveram competência para o registro, por expressas disposições do CCB, que expressamente as atribui aos ofícios de RTD.

Além de tudo que foi exposto, há a considerar que o objetivo do legislador, ao editar a MP nº 1.085/2021, foi o de, no interesse público, prover maiores celeridade, segurança jurídica, simplicidade, concentração e universalidade ao sistema de registro de bens e direitos móveis e garantias sobre eles incidentes, de modo a possibilitar inclusive a execução das garantias perante os Ofícios de Registro de Títulos e Documentos, em caso de inadimplemento dos devedores, o que é objeto do PLS nº 478/2017, que tramita no Senado Federal.

Lado outro, ninguém há de discordar que não é desejável duplo registro, não apenas para não onerar o consumidor em demasia, mas também para não tornar mais complexo e moroso o registro de referidas garantias.

Portanto, o que se pode compreender do que já foi examinado é que o legislador da MP 1.085/2021 não afastou (pelo disposto no parágrafo 2º-inc. I, do art. 129-LRP) foi tão somente a competência para o registro de contratos com pacto de alienação fiduciária em garantia, atribuída pelo art. 1.361 do CCB e outras leis ordinárias às repartições competentes pára o licenciamento de veículos.

Mas é preciso que se compreenda que a redação do §2º – inc. I, ora sob exame, não limitou, nem poderia, a competência dos Ofícios de RTD para o registro de vários outros atos relativos a veículos, ou que deseje duplo registro dos contratos de alienação fiduciária em garantia, o que é absolutamente desnecessário para que a publicidade quanto à existência de um gravame seja levada aos Certificados de Registro de Veículo – CRV.

Ninguém há de negar ser conveniente que a existência das demais garantias, constrições e contrataçõesenvolvendo veículos automotores seja noticiada junto aos CRV, fato este que está a demandar solução conciliatória, que não implique duplo registro, porque de um lado os ofícios de RTD têm competência exclusiva para a maioria dos atos atinentes a veículos automotores (v.g. garantias de “penhor de veículos” e de “reserva de domínio”, contratos de arrendamento mercantil e constrições judiciais ou administrativas), como condição para que surtam efeitos em relação a terceiros, e de outro as repartições de licenciamento de veículos (Detrans) têm competência para o registro das contratações de alienação fiduciária em garantia.

Na realidade, nunca houve duplo registro, mas sim o registro nos ofícios de RTD e a anotação no órgãos executivos de trânsito, junto ao certificado de propriedade dos veículos. O que motivou a edição de normas legais objetivando retirar dos ofícios de RTD o registro dos contratos de alienação fiduciária em garantia foi, mais que tudo, a falta de uma centralização onde se pudesse providenciar referido registro, bem como os elevados custos de emolumentos para o consumidor, porque, não fosse isso, bastaria o único registro nos ofícios de RTD e a anotação no certificado de propriedade do veículo – CRV e não haveria necessidade de toda a celeuma que se estabeleceu.

A alegação de “duplo registro” foi tão somente o pretexto utilizado para retirar o registro dos referidos contratos de alienação fiduciária em garantia dos ofícios de RTD, pelas razões expostas no parágrafo anterior, bem como, certamente, também em razão da cobiça de empresas privadas que desejavam levar para si esse serviço público, o que, ao fim e ao cabo conseguiram, porque, não surpreendentemente, são elas, na atualidade, que de fato prestam esses serviços para Estados e DF, através dos seus Departamentos de Trânsito, em razão inclusive de normas administrativas do CONTRAN e do DENATRAN.

Não somos de modo algum contra a iniciativa privada, mas há funções, como a de registros públicos, que requerem agentes isentos, capacitados, fiscalizados a miúde pelo estado no exercício de sua atividade, e dotados de fé pública, como são os ofícios de registros públicos, oficinas de serviços de segurança jurídica, administradas em regime privado, mas prestando relevante serviço público, com a necessária equidistância dos interesses privados e políticos, fator essencial para que possa haver democracia e um livre e pujante ambiente de negócios.

Então, cabe considerar que, com o advento do PL nº 4188/2021 e da MP nº 1.085/2021, a configuração do Sistema Brasileiro de Registros Públicos mudou, bem como diversas disposições relativas à constituição e publicidade de garantias. O PL nº 4188/2021 trouxe a possibilidade de contratação de mais de uma operação de crédito tendo como garantia um só bem, móvel ou imóvel. E a MP nº 1.085/2021 objetiva criar a centralização e universalização da publicidade de garantias sobre bens móveis nos ofícios de RTD, através do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP, bem como a simplificação de procedimentos, ao prever, por exemplo, a possibilidade de registros com base em extratos eletrônicos, o que permitirá o pronto registro e baixa de garantias.

Na atualidade, a atividade de registro de gravames nos órgãos cadastrais de trânsito é regulada pela Resolução CONTRAN nº 689 de 27 de setembro de 2017, que estabeleceu o Registro Nacional de Gravames – RENAGRAV (acessível em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=350735), e dispôs sobre o Registro de contratos com cláusula de Alienação Fiduciária em operações financeiras, consórcio, Arrendamento Mercantil, Reserva de Domínio ou Penhor(repetindo o vício insanável contido na redação do art. 129-B da Lei 9.503/97) nos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, para anotação no Certificado de Registro de Veículo – CRV.

Logo, a referida legislação de trânsito – Lei 9.503/97 e Resolução Contran nº 689/2017 – incide em ilegalidade, pelos vícios acima já examinados. Além do que, se é certo que o Estado que delega uma atividade de registros públicos pode decidir não delegar, realizando-a por si mesmo (Cfe. ADI 4333 – DF, no voto do Exmº Ministro Marco Aurélio Melo), também é certo que se não se achar em condições para exercê-la por si mesmo, e resolver repassar sua prestação a terceiros, então deverá fazê-lo segundo o estatuído no artigo 236 da Carta Magna, delegando-a aos agentes isentos a que a Constituição Federal reservou o exercício desse relevantíssimo serviço público, o que se configura como atuação republicana e de elevado interesse público por diversas razões que se pode facilmente deduzir.

Lado outro, não se pode esquecer as antigas deficiências do sistema de registros públicos que suscitaram o movimento para deles retirar o registro dos contratos de alienação fiduciária, razão pela qual se impõe encontrar fórmula que concilie referidas competências dos ofícios de RTD (para registrar a maior parte dos atos envolvendo veículos) e das repartições de licenciamento veicular, além do interesse público de centralizar e universalizar a publicidade de garantias em um só portal eletrônico, com a conveniência de também noticiar os gravames incidentes sobre um veículo em seu Certificado de Registro de Veículo – CRV (o que com o advento da centralização de informações no SERP perdeu muito da sua relevância, é bom que se diga). E referida fórmula requer: registro único, acatamento aos princípios constitucionais de regência da administração pública (art. 37-CF), de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, bem como a prestação de serviços públicos adequados (cfe. Art. 6º, § 1º da Lei 8.987/95), que respeitem os princípios de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das taxas, tarifas ou preços públicos, resguardado o equilíbrio financeiro.

Há a considerar, também, mesmo deixando de lado questionamentos quanto a constitucionalidade e legalidade, que a execução de serviço de registro público por empresa privada, por repasse da atividade pelo estado, não pode ter a necessária isenção e independência de que gozam os Oficiais de Registros Públicos, além do que, de fato, não tem havido a necessária publicidade dos instrumentos contratuais por sua disponibilização de acesso às partes mais vulneráveis nas contratações, o consumidor, devedor, no caso, que não consegue obter uma certidão com o inteiro teor do documento que lastreou o registro da restrição sobre seu veículo. Na verdade, quando compra um veículo o cidadão sequer sabe o que lhe está sendo cobrado a título de verbas para o registro do seu contrato e não tem acesso a ele nem antes, nem depois da contratação.

Portanto, acreditamos que o deslinde da questão é muito simples, bastando que no sistema atualmente adotado pelo Registro Nacional de Gravames – RENAGRAV, criado pela Resolução Contran nº 689/2017, uma única alteração seja feita: que os ofícios de RTD passem a realizar, para os Detrans, a atividade de registro dos contratos com pacto de alienação fiduciária em garantia, além dos demais que já são de sua exclusiva competência, conforme exame realizado linhas acima, sendo mantido todo o sistema restante. E isso porque, em face das inovações legais e tecnológicas recentemente ocorridas, os ofícios de RTD, através do SERP, atuariam sem as anteriores deficiências, acima apontadas, o que seria viabilizado por um serviço público que atendesse aos princípios da administração pública e dos serviços públicos acima referidos, em especial quanto a:

  • Registro único, com simultâneo objetivo de alimentar o banco de dados dos Detrans e do sistema de registros públicos de bens móveis, que, como visto, é o único competente para o registro de algumas espécies de garantias incidentes sobre veículos, além de contratos de arrendamento mercantil e constrições judiciais e administrativas. Assim, em lugar das empresas privadas, os agentes constitucionalmente competentes, que, segundo o STF são entes integrantes da estrutura administrativa dos Estados e DF, os Oficiais e oficios de Registro de Títulos e Documentos, que exerceriam essa atividade para os órgãos executivos de trânsito dos respectivos estados onde domiciliados os devedores, sempre de modo centralizado, através do SERP, com imediata e automática inserção das respectivas informações na base de dados das referidas repartições de licenciamento veicular dos Estados e do DF, cabendo a estas a emissão dos Certificados de Registro de Veículo – CRV, com a anotação dos gravames;
  • Concentração do acesso ao registro e obtenção de informações e certidões em um único local eletrônico, o SERP – Serviço Eletrônico de Registro Público, criado pela MP nº 1.085/2021, acessível pela WEB de qualquer localidade do Planeta. Certidões essas que seriam emitidas acatando o que dispõe a LGPD, quanto a dados sensíveis, que não seriam publicizados;
  • Registro eficiente, célere e descomplicado, com base nos “extratos eletrônicos para registro” previstos na MP nº 1.085/2021, com imediata inserção e publicização dos ônus e restrições no SERP e no sistema RENAGRAV, no dia (24 hs) em que recebidos os dados e documentos vindos dos agentes financeiros; e
  • Modicidade de custos para registro, que seriam realizados por emolumentos já existentes para atos de registro sem conteúdo financeiro, de baixo valor, como, por exemplo, notificações extrajudiciais, e limitados a determinado valor máximo, fixado em montante bem inferior ao que na atualidade é pago às empresas privadas prestadoras desse serviço para os Detrans, e vedadas quaisquer outras cobranças a título do registro dessas contratações, exceto a cobrança, pelos Detrans que assim desejarem, pela emissão dos Certificados de Registro de Veículo – CRV, com a anotação dos gravames.

Na atualidade (2022), cobra-se pelo registro dos contratos de garantias valores que podem se aproximar do montante de R$ 500,00 (quinhentos reais), os quais revertem em quase sua totalidade às empresas privadas que prestam esses serviços para os Detrans.

Pela sugestão que ora apresentamos, seria plenamente possível, de imediato, realizar tais registros pelos ofícios de registros públicos por custo máximo de R$ 120,00 (cento e vinte reais), estabelecendo-se esse limitador na Lei nº 10.169/2000, podendo os estados e o DF, posteriormente, fixar emolumento específico, fixo, que não poderá ser superior a referido limitador, que deverá ser corrigido todo ano, em 1º de janeiro, segundo o IGP-DI, Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna.

A sistemática seria em tudo igual à do RENAGRAV, exceto quanto a quem registraria os contratos de garantia (e constrições judiciais e administrativas), que passariam a ser os ofícios de RTD, através do SERP, que, consultando os dados previamente lançados no apontamento feito no RENAGRAV pelas empresas financeiras ou seu agente preposto, os comparariam aos que estas mesmas lhes enviariam para o fim de registro das contratações efetivadas, objetivando aferir sua regular correspondência e, ato contínuo, inseririam os dados do protocolo efetivado no SERP e do registro realizado em seus livros no banco de dados do respectivo órgão estadual de trânsito (Detran), conforme o domicílio do financiado (dador da garantia), para o fim de lhes possibilitar (aos Detrans) realizar aanotação da garantia ou restrição no Certificado de Registro de Veículo – CRV, pelo que poderiam cobrar, se assim for estabelecido na legislação do respectivo Estado ou DF, como ocorre na atualidade.

E assim sendo realizado, ficaria dispensado qualquer outro cadastro, registro ou cobrança a título de registro de contratos (exceto pela anotação e emissão dos certificados de registro veicular, que os Detrans, como ocorre na atualidade, cobram em separado), ficando o sistema de Registro de Títulos e Documentos, inclusive através do operador do SERP, responsável pela guarda, fidedignidade e disponibilização dos bancos de dados e documentos registrados aos órgãos de trânsito, o que poderá ocorrer imediatamente aos registros, por automática replicação de dados e imagens, se assim desejarem, ou a qualquer tempo. Mas os órgãos de trânsito sempre terão irrestrito e amplo acesso aos dados dos registros, se assim preferirem, para que não se onerem com a desnecessária duplicação de arquivos, que de qualquer modo estarão perpetuamente guardados à sua disposição, pelos Ofícios de RTD, através do SERP, até mesmo porque as serventias extrajudiciais são entes públicos integrantes da estrutura administrativa dos Estados e do Distrito Federal, que as criam, normatizam e fiscalizam a atuação, conforme ficou estatuído pelo Supremo Tribunal Federal – STF, nas decisões relativas às ADI 2602/2002 e 2415-2011 – SP.

E a sugestão apresentada poderá ser facilmente implementada por emenda à MP nº 1.085/2021 nela inserindo os artigos 11-A e 11-B, com as seguintesredações:

Art. 11-A. O artigo 129-B, da Lei 9.503, de 1997, Código de Trânsito Brasileiro, passa a viger com a seguinte redação:

Art. 129-B. O registro de contratos em que seja pactuada garantia de alienação fiduciária de veículo automotor deverá ser delegado, pelas entidades executivas de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, aos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos, entes já competentes para o registro das demais garantias, contratos e constrições judiciais e administrativas incidente sobre veículos, conforme disposições do Código Civil Brasileiro e da Lei dos Registros Público, em especial as contidas nos artigos 522, 1.461 e 1.462 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), e no artigo 129 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73).

  • 1º. Os ofícios de Registro de Títulos e Documentos inserirão eletronicamente, de forma imediata, na base de dados das entidades executivas de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, os dados dos contratos, recibos, quitações e constrições registrados ou averbados, segundo

disposições administrativas estabelecidas pelos entes nacionais e estaduais de trânsito, o que farão sem ônus para os Estados e o Distrito Federal, disponibilizando-lhes amplo acesso aos dados e arquivos eletrônicos constituídos, relativos atos registrais de seus respectivos interesses.

  • 2º. Ficam revogadas todas as disposições em contrário, em especial as contidas no art. 1º da Lei nº 14.071, de 13 de outubro de 2020, e no art. 6º e parágrafos da Lei nº 11.882, de 23 de dezembro de 2008.
  • 3º. A cobrança de emolumentos para os registros referidos no caput, a serem pagos pelos usuários do serviço, deverá ser realizada em conformidade com o previsto no art. 2º, parágrafo 3º, da Lei nº 10.169 de 29 de dezembro 2000.

Art. 11-B. Insira-se o parágrafo 3º, no artigo 2º, da Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, com a seguinte redação:

  • 3º Os emolumentos devidos pelo registro de atos envolvendo veículos automotores sujeitos a cadastro, com ou sem garantia, incluídos todos os atos necessários, deverão ser cobrados por valor equivalente ao praticado para protocolo, registro e efetivação de notificações extrajudiciais sem conteúdo financeiro, em região urbana, e não poderão exceder o valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais), sendo facultado aos estados e ao DF fixar emolumento específico, fixo, acatando referido limite, que deverá ser reajustado anualmente, em 1º de janeiro, pelo IGP-DI  – Índice Geral de Preços –  Disponibilidade Interna, vedados quaisquer acréscimos a título de taxas, custas, verbas indenizatórias,  reembolsos e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência ou para associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou denominação, exceto taxa em razão da fiscalização exercida pelo Poder Judiciário, que poderá ser cobrada em percentual máximo de 10% (dez por cento) dos emolumentos totais.

A segunda competência que o § 2º do art. 129 – LRP explicitamente indica não afastar, em seu inciso II, é a estabelecida no art. 26 da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013, cuja redação abaixo segue colacionada:

Art. 26. A constituição de gravames e ônus, inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros, sobre ativos financeiros e valores mobiliários objeto de registro ou de depósito centralizado será realizada, exclusivamente, nas entidades registradoras ou nos depositários centrais em que os ativos financeiros e valores mobiliários estejam registrados ou depositados, independentemente da natureza do negócio jurídico a que digam respeito.

  • 1º Para fins de constituição de gravames e ônus sobre ativos financeiros e valores mobiliários que não estejam registrados ou depositados nas entidades registradoras ou nos depositários centrais, aplica-se o disposto nas respectivas legislações específicas.
  • 2º A constituição de gravames e ônus de que trata o caput deste artigo poderá ser realizada de forma individualizada ou universal, por meio de mecanismos de identificação e agrupamento definidos pelas entidades registradoras ou pelos depositários centrais de ativos financeiros e valores mobiliários.
  • 3º Nas hipóteses em que a lei exigir instrumento ou disposição contratual específica para a constituição de gravames e ônus, deverá o instrumento ser registrado na entidade registradora ou no depositário central, para os fins previstos no caput deste artigo.
  • 4º Compete ao Banco Central do Brasil e à Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito de suas competências, estabelecer as condições para a constituição de gravames e ônus prevista neste artigo pelas entidades registradoras ou pelos depositários centrais, inclusive no que concerne ao acesso à informação.
  • 5º Compete ao Banco Central do Brasil, no âmbito de suas atribuições legais, monitorar as operações de crédito afetadas pelo disposto neste artigo, com a verificação do nível de redução do custo médio dessas operações, a ser divulgado mensalmente, na forma do regulamento. (grifos do autor do presente texto).

Importante explicar que a solução que apresentamos significará muito menor oneração dos consumidores, em relação ao que pagam na atualidade, e a sociedade brasileira e seu ambiente de negócios passarão a contar procedimento e repositório de dados e documentos único, de abrangência nacional, com total segurança, porque ao passo que é centralizado, com redundância, também é distribuído, nos bancos de dados de todos os Ofícios de RTD do país, mas acessível por portal único na web, com a melhor segurança jurídica possível, e melhor guarda de documentos e dados à disposição dos entes estaduais de trânsito, porque, conforme já referido, os cartórios são entes encravados na estrutura administrativa dos Estados e do DF, submetidos à minuciosa fiscalização realizada pelas Corregedorias Gerais de Justiça dos respectivos Tribunais de Justiça dos Estados, sendo mesmo ilógico que, contando em suas próprias administrações com a melhor solução, recorram a empresas privadas para a execução dos relevantes serviços públicos de registro de garantias.

Na realidade, a sistemática atual de registro e controle de veículos e gravames e restrições sobre eles incidentes seria toda mantida, com a única substituição das empresas privadas que, de fato, atualmente executam os registros para os Estados e o DF, pelos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos, que, conforme examinado, têm competência exclusiva realizar o registro da maior parte destes gravames e restrições, e uma competência compartilhada com os órgãos de trânsito, relativamente às contratações de garantia de alienação fiduciária sobre bens e direitos de natureza móvel, segundo o disposto no art. 1.361, do Código Civil Brasileiro, uma vez afastadas as disposições legais que a restringem, na atualidade, dando validade apenas ao disposto em sua segunda parte.

Seguindo adiante na análise das disposições da MP nº 1.085/2021, verifica-se que a competência não afastada, a que se refere o inciso II – § 2º – art. 129 – LRP, e que está estabelecida no art. 26 da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013, é a dos entes de cadastro e controle que atuam exercendo as atividades de depósito centralizado/”registradores” no âmbito do isolado “ecossistema” do Sistema Financeiro Nacional – SFN, em que só atuam instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil – BACEN, razão pela qual nos termos do que prevê o artigo 26-A, da mesma Lei 12.810/13, só quem pode depositar/registrar ativos financeiros ou valores mobiliários nos referidos entes são as referidas instituições nele autorizadas a funcionar, que para isso devem deter sua titularidade (propriedade).

Aos que desejarem maiores detalhes sobre o tema, recomendamos artigo que publicamos no site jurídico “Migalhas”, em 14 de julho de 2021, acessível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/348512/registro-de-bens-e-direitos-de-natureza-movel

E quanto a essa competência, em face daquela dos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos, o que é necessário observar é que, na “fronteira”, quando um recebível de titularidade de pessoa não integrante do Sistema Financeiro Nacional for cedido fiduciariamente a instituição integrante de referido sistema, ocorram os atos que aqui denominaremos “registros de transição”, para que seja mantida a higidez de ambos os sistemas – SFN e Sistema de Registros Públicos de Títulos e Documentos.

Objetivando uma melhor compreensão, exemplificaremos com recebíveis de uma empresa comercial. Se tal empresa emitir duplicatas escriturais e as ceder para instituição financeira, deverá ser exigido, como pré-requisito para o depósito centralizado/registro nas empresas de cadastro e controle, atuantes no âmbito do SFN, a comprovação do registro em Ofício de RTD, transferindo sua titularidade da empresa não financeira para a instituição financeira, para que esta possa depositá-lo/registrá-lo lá, como de sua titularidade, nas empresas depositárias/registradoras e, a partir de então, poder negociá-lo naquele âmbito, sem risco de desconhecimento dessa circunstância pela sociedade, o que na referida circunstância só a publicidade do registro no sistema de garantias sobre bens móveis, nos ofícios de RTD, poderá prover.

Sem referida publicidade registral em RTD, ninguém fora do SFN saberia sobre a cessão fiduciária dos referidos ativos financeiros, nem seu acesso ao SFN como títulos da titularidade da referida empresa financeira estaria comprovado, o que abriria brecha para procedimentos inescrupulosos, solapando a higidez do sistema nacional de garantias sobre bens móveis.

Procedimento semelhante deverá ocorrer quando houver transição no sentido inverso, como por exemplo, no caso de um ativo financeiro, já depositado e negociado no âmbito do SFN, ser cedido a empresa não integrante daquele sistema, circunstância que deverá ensejar a anotação dessa transição nas instituições depositárias/registradoras que atuam no restrito âmbito do SFN, para que os players daquele sistema possam ter ciência de que aquele ativo não mais está disponível naquele mercado, sob a titularidade da instituição financeira cedente, ou seja, que não mais está depositado/registrado e disponível para transações no âmbito do SFN.

Só pode haver publicidade de constituição de garantias ou de cessão de direitos restrita ao âmbito do SFN quando tais transações ocorrerem entre instituições financeiras ou outras lá autorizadas a atuar, com ativos financeiros ou valores mobiliários de suas titularidades, que tenham sido previamente depositados nas referidas instituições depositárias/registradorasque atuam naquele âmbito. Havendo a transição de um sistema para outro, impõe-se o prévio registro no sistema de origem.

Finalmente, uma importante medida que o Sistema de Ofícios de RTD deverá adotar, como decorrência das normas da MP nº 1.085/2021, será a prévia protocolização no SERP, na partição “RTD”, de todo título ou documento que seja apresentado para registro diretamente nas serventias de RTD, em meio físico ou eletrônico, para que exista um protocolo único, nacional, sequencial, assegurando direito de preferência ao registro àqueles que os realizarem primeiro, a par dos números de protocolo e registro que seguirão sendo realizados nos cartórios.

E a numeração desses protocolos nacionais realizados no SERP deverá conter dados de numeração sequencial, mais data, no formato aaaa.mm.dd, e dados da hora, minuto e segundo, através de carimbo do tempo, do observatório nacional.

Embora os temas apresentados tenham sido os que reputamos mais relevantes, certamente outros há, para os quais não atentamos. E acreditamos ser imprescindível que toda a sistemática para a implementação das normas estabelecidas pela MP nº 1.085 de 2021 deverá ser detidamente discutida com os profissionais integrantes de cada especialidade de registros públicos.  Esta era, por ora, a contribuição que tínhamos para apresentar.

Emílio Guerra é bacharel em direito, ex-advogado, especialista em Registros Públicos pela PUC-MG, e Oficial Registrador do 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de Belo Horizonte.

Fonte: IRTDPJBrasil