Averbação das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade e do fideicomisso (quarta parte -conclusão)

(da série Registros sobre Registros n. 402)

                                                  Des. Ricardo Dip

1.204.  Para encerrar os breves comentários acerca do disposto no item 11 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, falta-nos agora considerar a averbação da cláusula de incomunicabilidade imposta a imóveis, bem como da constituição de fideicomisso.

         Incomunicável −termo logicamente concreto que se refere ao abstrato incomunicabilidade− é, de modo notório, o que não se pode comunicar; por exemplo, um muro impede a comunicação territorial entre imóveis lindeiros.

         O de que vamos tratar, porém, é de uma incomunicabilidade específica, que inibe possa uma coisa (em nosso caso, um bem imóvel) comunicar-se, é dizer, alterar a singularidade (ou individualidade) do estado jurídico peculiar em que se encontra: não pode essa coisa, portanto, ingressar em comunhão (isso é exatamente aqui o sentido de «comunicar-se»), porque esse ingresso implicaria a perda de sua singularidade, ou seja, de sua individualidade.

         A incomunicabilidade frui de autonomia em relação à inalienabilidade e à impenhorabilidade. Vedar que algo se integre a um universal −quer dizer, impedir uma comunhão− não é o mesmo que proibir a alienação ou a penhora.

         Um exemplo parece vir a calhar: o art. 1.667 do Código civil brasileiro de 2002 prevê: «O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte». Ora bem, a primeira exceção a propósito indicada no art. 1.668 do mesmo Código diz respeito aos «bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar»; note-se que, tanto se admite a sub-rogação, com isso se admite a alienação; esses bens são incomunicáveis, mas não são necessariamente inalienáveis ou impenhoráveis. Outro exemplo é o que se aponta no inciso IV do referido art. 1.668 do Código civil: também se excluem da comunhão «as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade»; incomunicáveis, mas não, por si só, inalienáveis ou impenhoráveis.

         Veja-se o que diz De Plácido e Silva: «A incomunicabilidade não se confunde com a inalienabilidade, pois que são cláusulas ou condições que podem ser impostas isoladamente, e têm significação diferente» (Vocabulário jurídico, tomo II, verbete «incomunicabilidade»).

         No mesmo sentido, segue a lição passada por Ademar Fioranelli: «As cláusulas são autônomas em razão de seu interesse social, assim como de seus efeitos diante de terceiros» (in Das cláusulas..., o.c., p. 47).

         Autonomia, entretanto, não significa ausência de ressonância. Uma coisa é que a incomunicabilidade possa impor-se sem que se exija a imposição conjunta de outras cláusulas (inalienabilidade e impenhorabilidade). Outra coisa é que a incomunicabilidade seja imune a resultar da inalienabilidade. Veja-se, a propósito, o que enuncia o art. 1.911 do Código civil de 2002: «A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade». Isso já era previsão da jurisprudência pretoriana, conforme se lê no verbete 49 da súmula persuasória do Supremo Tribunal Federal: «A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens». 

         É exatamente essa autonomia que justifica o enunciado do item 11 do inciso II do art. 167 da Lei de Registros Públicos, especificando, como visto, cada uma das três cláusulas e mais o fideicomisso.

1.205. Cuidemos agora −também concisamente, muito concisamente− do instituto do fideicomisso, a que também se refere o aludido item 11.

         Trata-se, no fideicomisso, de uma das hipóteses de substituição hereditária, como se lê no art. 1.951 do vigente Código civil brasileiro: «Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que, por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário, resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição, em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário». Designa-se também «substituição indireta», nisso se distinguindo das outras espécies de substituição hereditária, ditas diretas e tal como classificadas na doutrina: vulgar, pupilar, exemplar, recíproca e compendiosa.

         Configura-se o fideicomisso com a ideia de sucessividade de herdeiros ou legatários. Assim disse Clóvis Beviláqua: «(…) a substituição fideicomissária é aquela em que o herdeiro ou legatário recebe a herança ou legado, sob a condição de transmiti-la, por sua morte, ou em outro tempo determinado, a seu substituto» (in Direito das sucessões, § 94).

         Assim, m resumo: num dado testamento, o testador (fideicomitente) estipula que uma pessoa (herdeiro ou legatário −chamado fiduciário ou gravado) receba os bens herdados ou objeto de legado com a obrigação de transferi-los a determinado terceiro (fideicomissário). 

         A propriedade dos bens objeto do fideicomisso transmite-se ao fiduciário com a morte do autor da herança (art. 1.953 do Código civil brasileiro: «O fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e resolúvel»), mas a disposição desses bens pelo fiduciário torna-se ineficaz com a abertura da substituição em favor do fideicomissário («herdeiro sob condição suspensiva», em palavras de Clóvis Beviláqua).

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         Abramos aqui um parêntese na explanação.

         O objetivo é o de transmitir umas palavrinhas de agradecimento à Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral −a todos nossos confrades e confreiras nesse sodalício− e à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná, pelo perseverante apoio que concedem a estas nossas exposições acerca do direito registral imobiliário. Particularizo esse agradecimento, sediando-o nas pessoas da Registradora Mariana Carvalho Pozenato Martins, Presidente dessa Associação paranaense, e da Tabeliã e Registradora Mônica Maria Guimarães de Macedo Dalla Vecchia, Coordenadora Acadêmica da mesma entidade. Ambas, para alegria e honra minha, integrantes do Corpo Docente do curso de pós-graduação em direito notarial e registral ministrado pela Uni Ítalo (Centro Universitário Católico Ítalo Brasileiro), curso que tenho a satisfação de coordenar.

         Também é justo agradecer reconhecidamente o empenho e a competência do serviço tecnológico, o que singularizo aqui na pessoa da sempre dedicada Sra. Melina Rebuzzi.

         Por fim, umas palavras muito breves de gratidão aos que têm acompanhado essas mais de quatro centenas de exposições: «Deus os guarde e aos seus».

         Feliz Natal.