(da série Registros sobre Registros n. 401)
Des. Ricardo Dip
1.203. Prosseguindo nas considerações acerca do disposto no item 11 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973 −referente à averbação das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas a imóveis, bem como da constituição de fideicomisso−, trataremos agora da impenhorabilidade e, na próxima exposição, da incomunicabilidade e do fideicomisso.
É a «impenhorabilidade» o termo logicamente abstrato que corresponde ao concreto «impenhorável», e «impenhorável» é o que não pode penhorar-se, é o que não se sujeita passivamente à penhora.
Mas, que é penhora? Consiste a penhora no dúplice (ou complexo) ato −de constrição e depósito− de bens para satisfazer, de modo coativo, determinado crédito. Instituto de direito processual, a penhora vem largamente referida e ritualmente disciplinada no Código de processo civil: assim, p.ex., o art. 159 desse Código permite verificar a conjunção dos dois requisitos essenciais da penhora (apreensão e depósito de bens): «A guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo»; o § 3º de seu art. 523 indica um dos modos de realização da penhora: «Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação» (esse mandado deve cumprir-se por oficial de justiça: inc. I do art. 154); seu art. 872 reporta-se a um de seus títulos formais −o auto de penhora−: «A avaliação realizada pelo oficial de justiça constará de vistoria e de laudo anexados ao auto de penhora (…)»; mas é ainda o termo judicial um título formal da penhora: p.ex., segundo o que se extrai do § 2º do art. 829 do Código de processo civil: «A penhora recairá sobre os bens indicados pelo exequente, salvo se outros forem indicados pelo executado e aceitos pelo juiz, mediante demonstração de que a constrição proposta lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente» (também art. 646: «Sem prejuízo do disposto no art. 860, é lícito aos herdeiros, ao separarem bens para o pagamento de dívidas, autorizar que o inventariante os indique à penhora no processo em que o espólio for executado»); o art. 835 do mesmo Código indica uma ordem preferencial quanto aos bens a penhorar-se.
Tanto que se efetive a penhora, constitui-se um direito relativo de preferência sobre os bens objeto da constrição, nos termos do que dispõe o art. 797 do Código de processo civil brasileiro: «Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados. Parágrafo único. Recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, cada exequente conservará o seu título de preferência».
A inalienabilidade −vale dizer, o impedimento à alienação de um bem− compreende a impenhorabilidade, não apenas porque, entre nós, assim o dispõe o art. 1.911 do vigente Código civil brasileiro («A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade»), mas porque é da natureza das coisas, uma vez que a alienação é um consequente potencial da penhora.
Há hipóteses, todavia, quando menos teóricas, em que um determinado bem possa ser impenhorável sem que se vede sua alienação. Nesse sentido, o mesmo Código de processo civil, na parte final do inciso I de seu art. 833, refere-se aos bens declarados impenhoráveis por ato voluntário; consulte-se, a propósito, o julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 226.142, de que foi Relator, com sólido apoio doutrinário, o Min. Barros Monteiro (julg. 2-3-2000). Daí a conveniência da disciplina distinta dessas duas noções jurídicas e a justificativa para que se preveja, de maneira específica, a averbação da impenhorabilidade, sem abarcá-la na compreensão do averbamento da inalienabilidade;
Enuncia o art. 832 de nosso Código de processo civil que «não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis», e seu art. 833 alista diversas hipóteses, e, com efeito, são elas inúmeras em nossa vigente ordem jurídico-positiva.
Para alguma ilustração do ponto, vejamos: o art. 833 do Código de processo civil diz, em seu inciso I, serem impenhoráveis, os bens inalienáveis, e o art. 100 do Código civil indica, a propósito, que «os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar» (a claúsula «enquanto conservarem a sua qualificação» corresponde à possibilidade que se aponta no art. 101 do mesmo Código civil: «Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei»); o art. 1.717 desse Código civil alista o bem de família por inalienável e, de conseguinte, impenhorável: «O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público»; o caput do art. 1.848 do mesmo Código, ao dispor que, «Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima», ressalva a seguir: «Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros» (§ 1º).
Muitas previsões legislativas extravagantes de nosso Código civil indicam a impenhorabilidade de bens: p.ex., art. 69 do Decreto-lei 167, de 14 de fevereiro de 1967: «Os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos pela cédula de crédito rural não serão penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro empenhador ou hipotecante, cumprindo ao emitente ou ao terceiro empenhador ou hipotecante denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão»; art. 85 do Decreto-lei 73, de 21 de novembro de 1966: «Os bens garantidores das reservas técnicas, fundos e previsões serão registrados na SUSEP e não poderão ser alienados, prometidos alienar ou de qualquer forma gravados em sua previa e expressa autorização, sendo nulas de pleno direito, as alienações realizadas ou os gravames constituídos com violação deste artigo»; art. 36 da Lei 6.024, de 13 de março de 1974: «Os administradores das instituições financeiras em intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência, ficarão com todos os seus bens indisponíveis não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades»; o § 3º do art. 29 da Lei 6.383, de 7 dezembro de 1976: «A Licença de Ocupação será intransferível inter vivos e inegociável, não podendo ser objeto de penhora e arresto».
Várias outras hipóteses, previstas em lei, estão apontadas na valiosa obra de Theotônio Negrão (atualizada por José Roberto Gouvêa, Luiz Guilherme Bondioli e João Francisco da Fonseca) −Código de processo civil e legislação processual em vigor (ed. Saraiva)−, cuja 47ª. edição compulsei para as indicações imediatamente anteriores deste pequeno texto.
Prosseguiremos.