(da série Registros sobre Registros, n. 356)
Des. Ricardo Dip
1.109. Prosseguindo na sucinta apreciação dedicada, nesta série, ao tema do registro da alienação fiduciária de imóveis, e tal como prometido, passaremos agora a examinar, ainda uma vez de maneira concisa, uma nova normativa, entre nós, acerca dessa alienação fiduciária, norma essa proveniente da Lei 14.711, de 30 de outubro de 2023.
É preciso prevenir −noblesse oblige− que a tarefa de compreender novas normativas sempre empolga um risco quando se prematura, sobretudo quando lhe falta a experiência viva das condutas que são objeto de novos textos.
Assim se lê no art. 1º dessa referida Lei 14.711, trata-se, com ela, do «aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito».
À partida, indicando nova redação para o art. 22 da Lei 9.514/1997 (de 20-11), a Lei 14.711 trata de definir o instituto da alienação fiduciária em garantia: «(…) o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel», e prevê a garantia por meio de propriedade superveniente: «A alienação fiduciária da propriedade superveniente, adquirida pelo fiduciante, é suscetível de registro no registro de imóveis desde a data de sua celebração, tornando-se eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída» (que passa a ser o § 3º do art. 22 da Lei 9.514). Em outras palavras, admite-se agora a alienação fiduciária superveniente −é dizer, uma sobreposição ou concurso de alienações fiduciárias−, cuja ordem de preferência vem disciplinada no novo § 4º do art. 22 da mesma Lei 9.514: «Havendo alienações fiduciárias sucessivas da propriedade superveniente, as anteriores terão prioridade em relação às posteriores na excussão da garantia, observado que, no caso de excussão do imóvel pelo credor fiduciário anterior com alienação a terceiros, os direitos dos credores fiduciários posteriores sub-rogam-se no preço obtido, cancelando-se os registros das respectivas alienações fiduciárias».
Na sequência das previsões da Lei 14.711, inovando as normas da Lei 9.514, indica-se (novo texto do § 5º do art. 22 da Lei 9.514) a incidência do que dispõe o inciso I do art. 346 do Código civil brasileiro, admitindo-se a sub-rogação −operada «de pleno direito»− em prol «do credor que paga a dívida do devedor comum».
Prevendo a nova lei que o «inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas pela propriedade fiduciária faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel» (correspondente ao § 6º do art. 22 da Lei 9.514) – incluso quando a titularidade resultar do disposto no art. 31 da mesma Lei 9.514 («O fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida ficará sub-rogado, de pleno direito, no crédito e na propriedade fiduciária»), exige a lei, no entanto, admitindo expressamente incidir quanto à garantia fiduciária sobrevinda (§ 7º do art. 22), que do título constitutivo da alienação fiduciária superveniente conste cláusula relativa à sub-rogação (§ 8º do art. 22).
Saliente-se que, desejando o credor fiduciário exercer a faculdade sub-rogatória, deve disso informar o devedor e eventuais terceiros fiduciantes ao ensejo da intimação para a purga da mora: «(…) o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação» (nova redação do § 1º do art. 26 da Lei 9.514).
Essa referida intimação vem disciplinada agora com o texto assinado para o § 3º do art. 26 da Lei 9.514: «A intimação será feita pessoalmente ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, que por esse ato serão cientificados de que, se a mora não for purgada no prazo legal, a propriedade será consolidada no patrimônio do credor e o imóvel será levado a leilão nos termos dos arts. 26-A, 27 e 27-A desta Lei, conforme o caso, hipótese em que a intimação poderá ser promovida por solicitação do oficial do registro de imóveis, por oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento, situação em que se aplica, no que couber, o disposto no art. 160 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos)».
Saliente-se, ainda a propósito dessa intimação, que a Lei 14.711 introduziu o § 1º-A no art. 26 da Lei 9.514, contendo uma regra competencial exceptiva. Com efeito, a Lei de registros públicos prevê, no caput de seu art. 169, o critério ordinário de os atos inscritíveis no ofício de imóveis serem «efetuados na serventia da situação do imóvel». Pois bem, a novidade, nessa parte, advinda com a Lei 14.711 é a de que, havendo «imóveis localizados em mais de uma circunscrição imobiliária em garantia da mesma dívida», possa a intimação para a purga da mora «ser requerida a qualquer um dos registradores competentes e, uma vez realizada, importa em cumprimento do requisito de intimação em todos os procedimentos de excussão, desde que informe a totalidade da dívida e dos imóveis passíveis de consolidação de propriedade». Trata-se de uma regra que atende ao princípio da economia − de esforços, de tempo e de custos−, facultando-se, pois, ao solicitante, a convergência da intimação a uma só fonte competencial, que, sublinhe-se, poderá ser eleita entre os registros imobiliários dos quais conste uma das inscrições da garantia da dívida. Penderá de alguma disciplina −que, assim se espera, só advenha após alguma experiência real na vida jurídica− a conveniência de informar todos os registradores interessados sobre a questão (chamemo-la assim) preclusiva: electa una tabula, non datur regressus ad alteram.
Assinale-se que a lei prevê a possibilidade de um prazo de carência: «O contrato poderá estabelecer o prazo de carência, após o qual será expedida a intimação», a cuja falta de estabelecimento indicou-se o tempo subsidiário de 15 dias (cf. §§ 2º e 2º-A da Lei 9.514).
Acerca do procedimento dessa intimação objeto do art. 26 da Lei 9.514, assim disciplina a Lei 14.711: se o devedor ou, quanto o caso, o terceiro fiduciante, o cessionário, o representante legal ou o procurador regularmente constituído encontrarem-se em «local ignorado, incerto ou inacessível», o que há de ser objeto de certificação expedida pelo «serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de registro de imóveis», proceder-se à «intimação por edital publicado pelo período mínimo de 3 (três) dias em jornal de maior circulação local ou em jornal de comarca de fácil acesso, se o local não dispuser de imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital»
Essa previsão é resultante de atribuir-se ao devedor ou, quando o caso, ao terceiro fiduciante, a responsabilidade «de informar ao credor fiduciário sobre a alteração de seu domicílio».
Estabelece a nova lei presumir-se que o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante se encontram «em lugar ignorado quando não forem encontrados no local do imóvel dado em garantia nem no endereço que tenham fornecido por último, observado que, na hipótese de o devedor ter fornecido contato eletrônico no contrato, é imprescindível o envio da intimação por essa via com, no mínimo, 15 (quinze) dias de antecedência da realização de intimação editalícia».
A mesma Lei 14.711 trata de conceituar lugar inacessível: (i) «aquele em que o funcionário responsável pelo recebimento de correspondência se recuse a atender a pessoa encarregada pela intimação»; (ii) «aquele em que não haja funcionário responsável pelo recebimento de correspondência para atender a pessoa encarregada pela intimação».
Prosseguiremos.