(da série Registros sobre Registros, n. 275)
Des. Ricardo Dip
- A hasta pública −a que se refere o item 26 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015− consuma-se, positivamente, com um de dois atos: a arrematação e a adjudicação. Lê-se, a propósito, no art. 904 do vigente Código brasileiro de processo civil: “A satisfação do crédito exequendo far-se-á: I - pela entrega do dinheiro; II - pela adjudicação dos bens penhorados” (a primeira forma, a da entrega do dinheiro, corresponde ao resultado ou preço da arrematação).
Pode aventurar-se que o vernáculo «arrematação» provenha do substantivo latino ramus, rami. Moraes reporta-se à palavra «ramo», que, segundo Rodrigo Fontinha, derivou de ramus, que, entre outras acepções, possui a de «fruto»; aí talvez possa conjecturar-se com a ideia de «conclusão», de «pôr fim a alguma coisa» ou «chegar ao fim de algo». O Dicionário de Moraes diz que a «arrematação» é a ação de arrematar, e arrematar é “vender ou dar de arrendamento em leilão ou almoeda, aos lanços ou a quem mais der” («almoeda» é vocábulo de origem árabe −transliterado: almunadiya−; é a venda feita publicamente, a venda em hasta pública, o leilão; «rematar», disse Fontinha, é “comprar ou vender em almoeda», ou seja, é o mesmo que «arrematar»).
Pode indicar-se, já considerando sua relação com o processo, especialmente o executório, que a arrematação é uma venda, em licitação judicial, de bens penhorados. Consiste, enfim, no remate ou desfecho satisfatório de uma execução judicial (“Quem vende é pois o juiz, observou Lopes da Costa, representando o Estado” −in Direito processual civil brasileiro, 1947, vol. 4, p. 163).
Mas, para o estado substituir na hasta pública a vontade do devedor −e, com efeito, atua o estado sob o modo substituinte (“O Estado aliena em seu próprio nome, substituindo-se à pessoa do executado” −Lopes da Costa), deve fazê-lo mediante concorrência, porque, de comum, esta é a maneira que se presume melhor afeiçoada à obtenção de preço mais elevado. Quanto maior o preço da venda dos bens penhorados, maior é o proveito quer do devedor executado, quer do credor exequente.
Calha ainda que alienação dos bens penhorados atende à circunstância de que o credor, disse-o bem Costa Carvalho, não é obrigado “a receber cousa diversa da que é devida”, de tal sorte que os bens constritos se convertem em pecúnia, resultado do maior lanço obtido na hasta.
Concluído o primeiro momento da arrematação (que é a da aceitação do lanço), diz o referido Código nacional de processo civil que a arrematação deva imediatamente reduzir-se a um auto, mencionando-se “as condições nas quais foi alienado o bem” (caput do art. 901) seguindo-se −após o depósito do preço “ou prestadas as garantias pelo arrematante, bem como realizado o pagamento da comissão do leiloeiro e das demais despesas da execução” (§ 1º do art. 901) a emissão do título aquisitivo, qual seja, a carta de arrematação (de bem imóvel), que se acompanhará de mandado de imissão na posse do prédio (cf. o mesmo § 1º do art. 901). Dispõe a relativa de regência −requisitos submetidos à qualificação registral− deva a carta de arrematação conter “a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula ou individuação e aos seus registros, a cópia do auto de arrematação e a prova de pagamento do imposto de transmissão, além da indicação da existência de eventual ônus real ou gravame” (§ 2º do referido art. 901).
Tradicional em nosso direito é o entendimento de que a arrematação é um modo aquisitivo derivado (assim o fez ver, mais recentemente, Josué Modesto Passos in A Arrematação no Registro de Imóveis. Continuidade do registro e natureza da aquisição, 2015, e era lição de Lopes da Costa a de que “a arrematação não passa ao arrematante mais direitos do que tinha o executado”. Não diversamente, lê-se na doutrina de Costa Carvalho: “a arrematação não transfere ao arrematante mais direitos do que o executado tem na coisa arrematada, de modo que acontecendo não ser esta de propriedade do executado, pode vir a ser evicta judicialmente por seu legítimo dono” (Direito judiciário civil, 1938, vol. 5, p. 89-90). Por isto, se bem mais não haja, no Código civil brasileiro de 2002, norma similar à do art. 677 do Código anterior (o de 1916), prevendo que “os direitos reais passam com o imóvel para o domínio do adquirente”, parece prevalecer ainda a orientação de que possua caráter derivado a aquisição resultante das arrematações, posta a salvo, embora, a possibilidade de notificarem-se terceiros para contra eles valerem as aquisições na hasta pública (cf. art. 1.501 do vigente Código civil: “Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução”). Indicativo de a arrematação ter ainda persistente natureza derivada parece recolher-se também do que dispõe a regra do inciso do § 5º do art. 903 do Código de processo civil em vigor: “O arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe imediatamente devolvido o depósito que tiver feito: I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital”.
Desta maneira, cabe ao oficial do registro de imóveis, na tarefa de qualificar a carta de arrematação, aferir a consecutividade ou continuidade correspondente.
960. O segundo modo de satisfação do crédito exequendo é o que se refere à adjudicação dos bens penhorados (inc. II do art. 904 do Código de processo civil).
O vocábulo «adjudicação» adveio do latim tardio adiudicatio, adiucationis (cf. Antônio Geraldo da Cunha), derivado do verbo adiudico (infinitivo adiudicare), com o significado de «atribuir a alguém».
Tem, no território da execução processual, a ideia de ser uma “dação em pagamento” (Lopes da Costa), em que o credor exequente recebe os bens penhorados, em vez de receber o preço que lhes corresponda numa arrematação.
Como já ficou dito, a adjudicação é uma forma da expropriação do bem (inc. I do art. 825 do Código brasileiro de processo civil), mas o credor não é, entretanto, obrigado a aceitar esse modo aquisitivo; tenha-se em conta, a propósito, o que dispõe o caput do art. 876 do mesmo Código: “É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados” (é lícito ao exequente, ou seja, é-lhe facultado). Nem sempre foi assim (cf. Lopes da Costa); tanto ao tempo das Ordenações filipinas (com a Lei de 20 de junho de 1774), quanto com o Regulamento 737, de 1850, a adjudicação obrigatória, o que só se alterou com o Decreto 9.549, de 23 de janeiro de 1886: “Fica em todos os casos abolida a adjudicação judicial obrigatória” (art. 26).
Podem exercer o direito de adjudicação o exequente e ainda os indicados nos incisos II a VIII do art. 889 do Código de processo civil, credores concorrentes com penhora do mesmo bem, o cônjuge ou companheiro da pessoa executada, seus descendentes e seus ascendentes (§ 5º do art. 876 do mesmo Código).
Deferida judicialmente a adjudicação, deve ela reduzir-se a um auto, em que se lançarão as assinaturas do juiz, do adjudicatário, do escrivão, e, tanto que presente, do executado, emitindo-se, na sequência, a carta de adjudicação, acompanhada de mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem imóvel, carta essa que conterá a descrição desse imóvel, “com remissão à sua matrícula e aos seus registros, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão” (§ 2º do art. 887 do Código de processo civil).