Registro de citações (conclusão)

(da série Registros sobre Registros, n. 265)

                 Des. Ricardo Dip 

 

             942. O que a Lei 6.015 prevê no item 21 do inciso I do art. 167 é o registro, em sentido estrito, da citação.

              De dois modos entendeu-se o conceito de citação.

          No primeiro modo, que pode considerar-se de acepção própria, a citação é a vocação ou chamamento de um demandado (ou réu) para integrar-se −ou mais exatamente, responder a um processo. Esse é o sentido que pareceria conformar-se com o disposto na Constituição brasileira de 1988 (inc. LV de seu art. 5º, já atrás referido: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”) e com a regra do art. 239 do vigente Código de processo civil: “Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado…”.

          Num segundo modo, a citação entende-se a chamada ao processo de qualquer outra pessoa que nele deva intervir; e aqui se põe em cena uma acepção que não aparenta repugnar-se pela mesma letra do art. 238 do Código processual civil brasileiro, que expande a citação para o chamamento de interessados no processo: “Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual” (a ênfase gráfica não se encontra no original).

          É certo, de um aspecto, que o termo «interessado» corresponda aos intervenientes em processos de jurisdição voluntária −nos quais não há, propriamente, partes; com efeito, lê-se no capítulo do Código brasileiro de processo civil referente ao que se designou «procedimentos (sic) de jurisdição voluntária»: “Serão citados todos os interessados…” (art. 721).

          Provável, contudo, é que se possa ir além e considerar que a citação prevista no art. 238 desse Código se estenda a terceiros processuais, como o sejam os assistentes (arts. 119 a 124), tal, por exemplo, prevê, de modo expresso, a Lei 12.539/2011 (de 30-11) −normativa estrutural do sistema brasileiro de defesa da concorrência−, em seu art. 118: “Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente” (fala-se aí em intimação,  mas melhor parece que se deva entender tratar-se de citação; ainda que não espanque controvérsias, lê-se no § 2º do art. 59 da Lei geral das locações urbanas (Lei 8.245, de 18-10-1991): “Qualquer que seja o fundamento da ação [de desejo] dar-se-á ciência do pedido aos sublocatários, que poderão intervir no processo como assistentes”.

              Abstraída essa discussão pontual, mencionemos, de passagem, a distinção que se deve fazer entre, de um lado, a citação (vocatio in iudicio), e, de outro lado, a intimação e a notificação processuais, que constituem, respectivamente, notícia de um fato processual e notícia, com preceito, para que se faça −ou se abstenha de fazer− alguma coisa, O que a Lei 6.015 prevê é o registro da citação, e não o da intimação ou da notificação.

         943. Nem todas as citações são suscetíveis de registro no ofício imobiliário, mas apenas aquelas que se referem às ações reais imobiliárias e às ações pessoais reipersecutórias referíveis a imóveis.

          Já deixamos examinado, ainda que brevemente (cf. item 933 e 935 retro), os conceitos de ação real e de ação pessoal, embora não custe retomar aqui concisamente a matéria, para avivá-la neste passo.

              Tal o vimos, as ações dividem-se segundo seu objeto: umas dizem respeito (i) ao estado das pessoas, e por isso se designam ações prejudiciais ou ações de estado; (ii) outras concernem imediatamente a uma coisa, razão pela qual se denominam ações reais (do latim res, rei); finalmente, (iii) umas terceiras ações tratam de obrigação pessoal, de crédito, e chamam-se ações pessoais.

              As ações reais podem conceituar-se, com a clássica lição de Corrêa Telles (Doutrina das acções, 1880, p. 4), as ações “que nascem do jus in re, e competem a quem tal jus tem contra o réu, que não o quer reconhecer, possuindo a cousa sobre que recai o direito real”, e, nessa mesma linha, João Mendes de Almeida Júnior, calcado na doutrina de Corrêa Telles, ensinou que, sendo quatro as espécies do ius in re (domínio, servidão, herança e penhor), são ações reais, entre outras, a reivindicatória, a publiciana (em que se pretende a possessão com apoio em propriedade de fato adquirida mediante usucapião ainda não declarada), a ação pauliana, a confessória e a negatória de servidão, a de petição de herança, a de querela de testamento inoficioso e de testamento nulo, a de suplemento de legítimas e a revocatória de alienação em fraude das legítimas, a de querela de doação inoficiosa, a de partilha, a de pedido de colação, de legados e de fideicomissos, a de sonegados, a pignoratícia, a hipotecária, a anticrética e a de preferência (Direito judiciário brasileiro, 1918, p. 134 et sqq.). Como já também se disse, caberia ainda agregar a essa lista as ações de usucapião, de desapropriação e de divisão e alienação de coisa comum.

              Quanto às ações pessoais, são elas, ainda uma vez aqui perfilhando, brevitatis causa, a doutrina de Corrêa Teles, “as que nascem da obrigação de dar, fazer, ou não fazer, alguma cousa”, aqui se incluindo as ações relativas aos contratos reais (de mútuo, comodato e depósito) e a ação in rem scriptæ (ainda que a alguns melhor pareça nela ver-se uma natureza híbrida, pessoal-real); essa ação in rem scriptæ é a que, disse João Mendes, “nascendo de obrigação pessoal do Réu, tem assento na coisa”, de maneira que pode ela ajuizar-se contra o devedor ou contra um terceiro possuidor.

              Controverso na doutrina é o discrimen entre essa ação in rem scriptæ e a ação pessoal reipersecutória; ambas, pessoais embora (ou seja, não se calçam em direito real), perseguem alguma coisa;  mas, dizendo tanto uma, quanto outra, respeito à persecução de coisa, quer façam parte já do patrimônio do demandante (privado de sua posse), quer ainda não integrem esse patrimônio, o que importa −e é decisivo para a registrabilidade da citação no ofício predial− é que a demanda concirna a um imóvel, objeto da perseguição desfiada com a lide processual.

              Também já se apreciou, concisamente, a questão da natureza da demanda possessória. Astolpho Rezende, Clóvis Beviláqua, Lafayette, João Mendes Júnior e Corrêa Telles, entre outros autores, entendiam serem essas ações pessoais, porque “reais são apenas as ações que nascem do jus in re, do direito real (domínio ou direito real sobre a coisa alheia)” (cf. Astolpho Rezende, A posse e sua protecção, 1937, vol. 2, p. 24). A doutrina brasileira posterior, entretanto, foi proclive em considerar a posse um direito, e um direito real (brevitatis studio, Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, Arnaldo Rizzardo)−, sem embargo de não faltar a persistência de doutrina contrária (p.ex., a de Carlos Roberto Gonçalves).

              Como quer que se entenda acerca da natureza pessoal ou real dos interditos (vide o item 935 retro), não parece caiba negar-lhes a finalidade persecutória da coisa a que se refira, de maneira que, sendo essa coisa um imóvel, é de concluir deva a citação nas ações possessórias atrair-se ao registro imobiliário.