Registro de desapropriação (décima-primeira parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 343)

                                                           Des. Ricardo Dip

 

1.091.            Seguimos no exame do capítulo referente ao registro da desapropriação imobiliária.

Conforme já ficou dito, o item 36 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015 prevê o registro stricto sensu da imissão provisória na posse "concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas" (com a redação da Lei 12.424, de 16-6-2011). O texto original desse dispositivo, incluído na Lei 6.015 pela Lei 9.875/1999 (de 29-1), era mais restrito quanto à possibilidade de registrar-se a imissão possessória; dizia o texto anterior caber esse registro "quando concedido à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, para a execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda".

A Lei 11.997, de 7 de julho de 2009, incluiu no Decreto-lei 3.365, de 1941, norma previsora do registro do empossamento pela entidade expropriante: "A imissão provisória na posse será registrada no registro de imóveis competente" (§ 4º do art. 15 do Dec.-lei), imissão esta que não se confunde com o mero ato administrativo de investidura possessória, certo que a imissão demanda ordem judicial (caput do mencionado art. 15) e, se anterior à citação do expropriado, exige a observância de alguns requisitos (cf. as alíneas do § 1º do mesmo art. 15). Assinale-se que, embora se tenha disputado, ao início da vigência da Constituição brasileira de 1988, acerca da compatibilidade dessa imissão provisória do § 1º do art. 15 da Lei geral de desapropriação com o então novo Código político, o STF editou, em 2003, súmula persuasiva (n. 652) afirmando a recepção constitucional desse dispositivo do Decreto-lei 3.365: "Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do Decreto-lei 3365/1941 (…)". Ao menos dois julgados posteriores do mesmo STF, um em 2010 (AgR no AI 764.402), e outro, em 2014 (AgR na Adpf 249), reafirmaram esse entendimento.

Interessa ao oficial imobiliário, pois, considerar que o registro da imissão provisória na posse exige título judicial, insuficiente uma declaração de origem administrativa. Mas há outra distinção de relevo neste passo: uma coisa é a imissão possessória, com ou sem a prévia citação do expropriado, e outra, muito diversa, é o simples acesso ao imóvel objeto, nos termos do que enuncia e permite o art. 7º do Decreto-lei 3.365, com a redação que lhe deu a Lei 14.620/2023 (de 13-7): "Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas do expropriante ou seus representantes autorizados a ingressar nas áreas compreendidas na declaração, inclusive para realizar inspeções e levantamentos de campo, podendo recorrer, em caso de resistência, ao auxílio de força policial".  Esse ingresso administrativo, à míngua de previsão legal, não é suscetível de inscrever-se no ofício imobiliário, sequer na hipótese de, a seu respeito, lavrar-se documento administrativo ou por tabelião (ata notarial).

Saliente-se que esse ingresso no imóvel, suposto objeto já de declaração de utilidade pública, é ato administrativo lícito, inconfundível com o esbulho ou turbação possessórios que se caracterizariam se esse acesso ocorresse antes da referida declaração de utilidade pública.

Observe-se ainda que o acesso ao imóvel, nos termos do referido art. 7º da Lei geral de desapropriação, tampouco se confunde com a ocupação temporária do prédio −tampouco suscetível de inscrição no registro de imóveis−, ocupação de que trata o art. 36 do Decreto-lei 3.365: "É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização".

1.092.           Outra questão de interesse para o registrador de imóveis diz respeito à legitimidade tabular em eventual contraste com a legitimidade ad causam passiva admitida na via judicial.

Embora seja algo que mais pareça importante para o registro da própria desapropriação do que para o da imissão provisória na posse, é relevante considerar os limites próprios da qualificação registral nesta matéria.

A conjectural anomalia está em que a ação expropriatória se tenha ajuizado contra pessoa que não seja a titular registral de domínio do imóvel objeto.

Sem embargo da conveniência de o registrador apontar a discrepância −o que, sobretudo nas hipóteses de o processo judicial estar ainda em curso, sugerirá respeitoso aviso ao Juízo da causa−, não compete ao registrador entender que a ilegitimidade ad causam impeça a inscrição do título expedido na demanda de desapropriação.

Por mais que, por força da aplicação supletiva das regras gerais processuais civis (art. 42 do Dec.-lei 3.365: "No que esta lei for omissa aplica-se o Código de Processo Civil"), caiba o controle judicial da legitimatio ad causam, também é certo que, nos termos da normativa de regência, "os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação", de maneira que "qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos" (art. 35). Na mesma trilha, enuncia o art. 31 do versado Decreto-lei: "Ficam subrogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado".

Acentue-se que, podendo suscitar-se a questão da legitimidade na resposta judicial oferecida pelo requerido (art. 20 do Dec.-lei: "A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta") −suscitação esta que, no fim e ao resto, resguardará o mesmo requerido da incidência da norma do art. 38 do mesmo Dec.-lei: "O réu responderá perante terceiros, e por ação própria, pela omissão ou sonegação de quaisquer informações que possam interessar à marcha do processo ou ao recebimento da indenização"−, não é de todo raro que haja dúvida sobre a efetiva propriedade do bem expropriado. Tanto que se admite, além do pagamento pecuniário ao expropriando, a consignação judicial do valor indenizatório (art. 33: "O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz da causa, é considerado pagamento prévio da indenização"), remetendo-se o Decreto-lei 3.365 à dúvida sobre a titularidade dominial": "Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo" (par.único do art. 34).

Prosseguiremos.