Registro de imissão provisória na posse em favor de poderes públicos ou de entidades delegadas

(da série Registros sobre Registros, n. 363)

Des. Ricardo Dip

1.116. Do texto original da Lei 6.015, de 1973, não constava a previsão de registro (stricto sensu) da imissão provisória da posse no interesse das pessoas políticas ou no de entidades nas quais por elas delegada essa imissão.

Comecemos por uma breve referência histórico-legislativa acerca do tema.

Foi com a Lei 9.785, de 29 de janeiro de 1999, que se incluiu essa previsão na Lei de registros públicos, como item 36 do inciso I de seu art. 167. Dispôs-se à altura caber o registro «da imissão provisória na posse, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando concedido à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, para a execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda». Essa Lei 9.875 punha em conexão −o que, aliás, já se extrai de sua ementa− a normativa geral da desapropriação, a do parcelamento do solo e, com avistável caráter instrumental, a dos registros públicos.

A Medida provisória 514, de 1º de dezembro de 2010, editada para atender ao Programa «Minha Casa, Minha Vida» e à regularização fundiária de assentamentos em áreas urbanas, deu esta nova redação ao apontado item 36 do inciso I do art. 167 de nossa Lei de Registros Públicos, prevendo o registro «da imissão provisória na posse, quando concedida à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, e respectiva cessão e promessa de cessão».   Cotejado com o texto anterior, tem-se que a mudança suprimiu a condição de a investidura possessória destinar-se à «execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda». Equivale a dizer que se ampliaram as hipóteses de registro da imissão possessória.

Confirmou-se essa redação da Medida provisória 514 com a Lei 14.424, de 16 de junho de 2011. Ou seja, reiterando-se: é atualmente suscetível do registro imobiliário em sentido estrito a «imissão provisória na posse, quando concedida à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, e respectiva cessão e promessa de cessão».

Lei sobrevinda −a 14.620, de 13 de julho de 2023− incluiu na Lei 9.514/1997 (de 20-11), normativa esta que disciplinou o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e instituiu a alienação fiduciária de imóvel, a possibilidade de essa alienação ter por objeto «os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas, e a respectiva cessão e promessa de cessão» (cf. o inc. V do art. 22 da Lei 9.514).

Além disso, a mesma referida Lei 14.620 alterou o Código civil, incluindo na lista dos direitos reais −ou seja, num rol que sempre se teve por taxativo e tipológico− a «os direitos oriundos da imissão provisória na posse» concedida a pessoas políticas ou a entidades nas quais delegada essa imissão. Símile direito estendeu-se à cessão e promessa de cessão dos direitos correspondentes. (Acrescente-se que a Lei 14.620 ainda indicou dois novos tipos jurídico-reais para a relação do art. 1.225 do Código civil: a concessão do direito real de uso e a laje).

Também quanto à hipoteca, previu a Lei 14.620 a possibilidade de esse gravame recair sobre a propriedade superficiária e sobre os «os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, etc.» (cf. inc. XIV do art. 1.473 do Código civil).

É controverso que estejamos diante de novos direitos reais. A esse propósito, publicou-se no informativo Migalhas (20-2-2024) interessante estudo de Carlos Eduardo Elias de Oliveira, intitulado «Novo Direito Real com a lei 14.620/23: uma atecnia utilitarista diante da imissão provisória na posse», de que se reproduz a conclusão: «O legislador (…) confundiu a causa de aquisição do direito real de propriedade com o próprio direito real. A imissão provisória na posse é apenas a causa jurídica de aquisição do direito real de propriedade, à semelhança do usucapião (que, com o transcurso do tempo de posse ad usucapionem, faz nascer o direito real de propriedade de modo originário para o usucapiente)» (veja-se https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/390037/novo-direito-real-com-a-lei-14-620-23).

1.117. Que é imissão provisória na posse?

O vernáculo «imissão» provém do verbo latino immitto −na acepção de «fazer entrar em», «introduzir» (cf. Torrinha)−, a que se liga o substantivo imissio, onis (veja-se Antônio Geraldo da Cunha). Quando se relaciona à ideia de posse, imissão é o mesmo que investidura na possessão, empossamento, emposse, apossamento. É o traslado da posse de alguma coisa que estava em poder alheio.

A imissão na posse pode ser unilateral (também dita originária) −como se dá, p.ex., com a ocupação (cf. art. 1.263 do Código civil brasileiro, que parece ter por objeto a res nullius e a res derelicta, de maneira que a ocupação inclua também a ideia de apreensão)− ou bilateral (ou derivada), em que a coisa é entregue pelo próprio possuidor antecedente, vale dizer, com seu consentimento.

A imissão possessória de que estamos cuidando nesta pequena explanação é a de caráter provisório e, para mais, somente em benefício da União, dos estados, do Distrito federal, dos municípios e de suas entidades delegadas.

Dessa maneira, não é toda imissão na posse a que se favorece com a previsão do registro. Ao revés, trata-se desta imissão prevista no art. 15 do Decreto-lei 3.365, de 21 de junho de 1941 (Lei geral das desapropriações): «Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens». (Esse referido art. 685 era do Código de processo civil brasileiro de 1939). Assinale-se que, já com a Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, previra-se que essa imissão provisória na posse fosse registrada no ofício de imóveis competente (cf. § 4º do art. 15 do mencionado Decreto-lei 3.365).

Assinalem-se, a propósito, duas observações.

A primeira, que já foi objeto de uma nossa exposição (cf. Registros sobre Registros n. 362) de que a Lei 14.421, de 20 de julho de 2022, incluindo novo parágrafo no art. 34-A do Decreto-lei 3.365, de 1941 − «Após a apresentação da contestação pelo expropriado, se não houver oposição expressa com relação à validade do decreto desapropriatório, deverá ser determinada a imediata transferência da propriedade do imóvel para o expropriante, independentemente de anuência expressa do expropriado, e prosseguirá o processo somente para resolução das questões litigiosas»− parece padecer de vício de inconstitucionalidade. A imissão provisória é a de empossamento, não a de dominação ou apropriação.

A segunda, a que não é de admitir a muito frequente observação de que, no direito brasileiro vigente, não se registre a posse no ofício imobiliário. Ela se registra, sim, exatamente nessa hipótese de imissão provisória de que cuidamos, calcada em título judicial