Registro de usucapião (décima-nona parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 297)

Des. Ricardo Dip

1.013. De três modos pode realizar-se a notificação prevista no § 2º do art. 216-A da Lei 6.015: (i)  pessoalmente, pelo registrador (ou seus prepostos: cf. art. 20 da Lei 8.935, de 18-11-1994); (ii) pelo correio, com aviso de recebimento; (iii) por edital, na hipótese de não ser encontrado o notificando ou na de ele estar em lugar incerto ou não sabido, publicando-se a chamada “por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um” (§ 13 do mesmo art. 216-A).

Qual o título formal dessa notificação pessoal? Não o esclarece a lei, mas dado o paralelismo analógico (espelhismo) que do processo judiciário acerca, histórica e teleologicamente, o processo extrajudicial de usucapião, deve admitir-se que se trate aí de um mandado. (A reconhecer isto, mais se avistaria o caráter judicial que se trasladou à função registral para o processamento da usucapião).

1.014. No que diz respeito à notificação pela via do correio, cabe observar que, destinada a pessoa certa, essa notificação é, por sua natureza, declaração recipienda. Com efeito, somente as notificações dirigidas a pessoas indeterminadas é que podem aperfeiçoar-se à margem de recepção. Desta maneira, não se reputará efetuada a remessa mediante correio seja quando não se perfaça com aviso de recebimento, seja quando, embora assim seja expedida, não se confirme a recepção.

1.015. Faltante, na planta oferecida com a solicitação inicial, a assinatura (rectius: a concordância significada com essa assinatura) de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula (ou transcrição) do imóvel usucapiendo ou na matrícula (ou transcrição) dos imóveis confrontantes, deve proceder-se à notificação correspondente, para que que o legitimado tabular manifeste consentimento expresso, dentro no prazo de 15 dias.

Consentir é aprovar ou, quando menos, tolerar com algo de que se tem advertência (i.e., conhecimento intelectual). O vocábulo «consentir» deriva do verbo latino consentio, que tem as acepções de «sentir do mesmo modo», «concordar», «opinar ou julgar do mesmo modo». E o consentimento é esta adesão da vontade –aprovando, permitindo ou tolerando– algo anteriormente advertido pelo entendimento. 

Impõe o § 2º do art. 216-A da Lei 6.015/1973 que se notifique o legitimado registral para que manifeste seu consentimento expresso quanto ao pleito de usucapião. Já antes se exigira fosse expresso esse consentimento mediante a assinatura na planta, assinatura a cuja falta reitera a lei que se exprima a aprovação (ou, ao menos, a tolerância –ou mesmo resignação). Expresso é aí o formalmente explícito, o disertis verbis (ou expressis verbis), o que supõe textualização – documento (que é o meio eminente de expressão de consentimento negocial e instrumento de prova).  

Põem-se, então, dois temas à apreciação do registrador: (i) o modo como se produz ou se apresenta documento; (ii) a aferição da conexidade do consentimento com o pedido singular de usucapião.

Não impõe a lei de regência forma pública para o título desse consentimento (pode, com efeito, fazer-se por meio de instrumento particular). Tampouco é de exigir, neste passo, tratando-se de processo administrativo, a assistência de advogado. Mas, diversamente, parece bem que a firma do outorgante seja reconhecida em via notarial.   

Controversa é a possibilidade de tomar-se esse consentimento por termo, perante o registrador. Em doutrina, não parece admissível, porque o registrador não possui fides cognitionis (fé de conhecimento), nem a fides notariorum stricto sensu (a fé notarial mais característica, que é a do testemunho qualificado do notário sobre os fatos sensíveis que capta pelos sentidos exteriores –visão, necessariamente, e audição– e percepciona pelos sentidos interiores). Todavia, num ambiente de anarquia de funções jurídicas é prognosticável a admissão de fato de que se tome por termo, no ofício registral, o consentimento dos legitimados.      

Por outro lado, para que o documento signifique o consentimento do outorgante deve este não só firmá-lo –signatio, subscriptio ou roboratio–, mas também explicitar de algum modo a conexão com aquilo que aprova ou tolera. Vale dizer que deve o registrador verificar se o consentimento diz respeito, de maneira singular, ao pedido da usucapião objeto. Aqui, mais uma vez, se não se depuser dúvida grave sobre a matéria do consentimento (em outras palavras, se houve efetiva advertência quanto aquilo com que se consente), cabe ao registrador recusar valor ao duvidoso consentimento, nada obstando que lhe determine o correspondente saneamento para a sequência do processo.    

1.016. Assina a lei o prazo de 15 dias para que os titulares de direitos inscritos quanto ao imóvel usucapiendo ou a seus confinantes manifestem seu consentimento expresso com o pedido de usucapião.

De quando e como deve contar-se este prazo? 

Quando ao termo inicial da contagem desse prazo, parece caiba invocar, por força do que dispõe o Código processual civil em vigor –cujas regras devem aplicar-se supletiva e subsidiariamente aos processos administrativos (art. 15)–, o disposto em seu art. 231, considerando-se dia do começo do prazo a data de juntada aos autos do processo extrajudicial usucapião (i) do mandado de notificação cumprido (ou, de mesma sorte, do termo que o substitua, quando a notificação se perfaça no próprio cartório) ou (ii) do aviso de recebimento, quando a notificação se faz por via postal. Contra este entendimento, porém, está a doutrina autorizada de Henrique Ferraz Corrêa de Mello, para quem, “no processo administrativo, o prazo começa a correr da data da notificação, e não da juntada da certidão de notificação aos autos”; esta posição, conquanto razoável, aparenta pôr-se em confronto com a regra do art. 15 do Código.  

Também aparenta aplicável ao processo extrajudicial de usucapião a regra do art. 224 do Código: “(…) os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento”, bem como a do § 1º desse mesmo art. 224: “Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte (…)”. 

Mais controverso ainda, por certo, é o modo como deve contar-se a fluência do prazo para a manifestação dos notificados. Para logo, registre-se que correm os prazos de maneira individual ou autônoma, vale dizer, para cada notificado a partir de seu termo a quo. O problema, no entanto, está em saber se na contagem do prazo devam apenas considerar-se os dias úteis (caput do art. 219 do Cód.pr.civ.). 

Esta disposição de estimar-se o fluxo dos prazos somente pelos dias úteis (é dizer dias não feriados) –e não continuamente– restringe-se aos prazos processuais (par.ún. do art. 219 do Cód.pr.civ.), ou seja, não abrange os prazos substantivos (assim, o da decadência). 

Em rigor, ainda uma vez por força do art. 15 do Código de processo civil, o prazo indicado no § 2º do aet. 216-A da Lei 6.015 deve contar-se apenas pelos dias úteis. É prazo processual. Da mesma sorte, a entender-se com o mesmo rigor, deve ter seu curso suspenso o prazo em processo extrajudicial de usucapião entre “20 de dezembro de 20 de janeiro, inclusive” (caput do art. 220 do Cód.pr.civ.).

Todavia, a matéria ainda terá de passar pelo crivo da jurisprudência administrativa –para não dizer que pelo afã das regras expedidas pela administração judiciária–, e parece caiba, por agora, a prognose de que se venha a estabelecer a contagem do prazo de modo contínuo e a de que tampouco se reconheça incidente a suspensão processual prevista no art. 220 do Código de processo civil.

Não faltarão, por fim, discussões e dissídios acerca da aplicação da regra do art. 229 do Código (“Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento”).

Mas, diversamente, cuidando-se, tal o caso, de prazo próprio determinado, não há de contar-se em dobro o tempo de manifestação da União, dos estados, do Distrito federal, dos municípios e suas autarquias e fundações de direito público (§ 2º do art. 183 do Cód.pr.civ.), nem o da defensoria pública (§ 4º do art. 186; cf. Henrique Ferraz).