(da série Registros sobre Registros, n. 289)
Des. Ricardo Dip
992. Dando continuidade ao exame do tema do registro da usucapião e, pois, particularmente, ao da formação do título extrajudicial correspondente, nos termos do que dispõe a regra do art. 216-A da Lei 6.015, de 1973, cabe aqui uma breve consideração acerca da sobrevivência da possibilidade de se lançarem averbações à margem das transcrições imobiliárias.
Apreciemos um tanto aquilo que enuncia o art. 228 da mesma Lei 6.015: “A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência desta Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado”.
Tenha-se em conta a circunstância de que o vocábulo «registro» mencionado nesse art. 228 deve considerar-se de dois modos: um, stricto sensu, reportando-se ao inciso I do art. 167 da Lei 6.015; outro, em acepção lata, compreendendo as averbações, de maneira que, com este último significado, seria já plausível superar o entendimento de que sobreviva a juridicidade da prática de novas averbações marginais às transcrições.
Não se pode negar, é verdade, na linha da orientação que, de fato, predominou −qual a de permitir-se o averbamento à margem das transcrições−, o que consta da regra do par.único do art. 295 da Lei 6.015: ”Se a averbação ou anotação dever ser feita no Livro n. 2 do Registro de Imóvel, pela presente Lei, e não houver espaço nos anteriores Livros de Transcrição das Transmissões, será aberta a matrícula do imóvel”. Todavia, tenha-se em conta que esse dispositivo faz parte do Título VI da Lei 6.015, título que se denomina “Das disposições finais e transitórias”. Daí que se possa concluir razoável que, passados mais de 45 anos do começo da vigência da Lei de registros públicos, não convenha mais, nullo modo, cogitar de sobrevivência alguma da transitoriedade quanto ao lançamento de averbações marginais aos assentos nos velhos livros de transcrições.
A menção, no inciso II do art. 216-A da Lei 6.015, à matrícula do imóvel usucapiendo ou à do prédio confinante abrange também as transcrições, tendo-se sempre em consideração que o fim dessa regra legal é o da garantia do direito de contraditório e de defesa quer dos legitimados registrais −ou seja, os titulares formais do domínio do imóvel objeto da pretensão usucapienda−, quer dos não menos legitimados a defender-se à conta de seu domínio sobre prédios confrontantes, presente a suscetibilidade de ofensa jurídico-real (p.ex., de domínio) ou até fática (moléstia da possessão).
Não custa sublinhar, neste passo, que a regra do art. 216-A da Lei 6.015 −dando ensejo ao processo da pretensão de declarar-se um domínio que se afirma adquirido na via extrarregistral, ou seja, fora do sistema formal de publicidade e transmissão de direitos imobiliários− em nada autoriza o menosprezo do que dispõe o art. 252 da mesma Lei 6.015: “O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. Com efeito, não é de admitir a desvalorização do sistema formal da publicidade jurídica dos imóveis exatamente por meio de um pedido de integração de novo domínio nesse sistema. A mera pretensão de formalizar-se esse novo domínio não pode anular, enquanto simples pretensão, o consequente formal que nele vigora.
993. Consta do inciso II do art. 216-A da Lei 6.015 a referência a imóveis confinantes, termo que indica uma das espécies de extensão dos entes corpóreos.
Todos os entes corpóreos são extensos, apenas os entes corpóreos são extensos, isto é, possuem extensão, de maneira que a extensão é um próprio proprium dos entes que têm corpo, que têm matéria; a extensão é um atributo desses entes, ainda que não sejam sua essência; é um atributo necessário, pois, mas não essencial dos entes corpóreos.
Ter extensão é o mesmo que ter quantidade. A extensão pode ser de três modos: (i) contínua (quando o término de uma de suas partes seja o começo de outra parte), (ii) discreta (ou descontínua, quando o termo de uma de suas partes está distante do começo de outra) e (iii) contígua (quando o término de uma de suas partes toca o começo de outra).
O vernáculo confinante provém da língua latina: o substantivo confine, confinis –porção que fica próxima– nela aponta exatamente a ideia de contiguidade, quer dizer, de uma parte cujo termo tange o começo de outra; ou, para o que mais aqui tem relevo, um dado imóvel por natureza (o que é sempre uma fração da crosta terrestre) termina tocando outro imóvel (rectius, outra fração ou parte).
Se bem seja verdade que a mais relevantes das espécies de extensão ou quantificação do imóvel, para os fins do registro imobiliário, seja a referível à magnitude ou extensão contínua, não se pode ignorar que a extensão contígua tem seu relevo (bastaria, com efeito, aventurar-se pelo texto da Lei 6.015 para confirmar essa importância: §§ 7º e 16 do at. 213, inc. II e § 2º, 10 e 12 do art. 216-A; e, com os termos equivalentes confrontação/confrontações: alíneas a e b do n. 3 do art. 176, incs. I e II do art. 195-A, caput e § 3º do art. 225, caput e § 2º do art. 294, além das muitas referências no art. 213).
Identificados os imóveis confinantes, prevê a normativa de regência, para o fim de dispensar notificação posterior (§ 2º do art. 216-A), que os titulares de direitos registrados ou averbados nas matrículas desses mesmos imóveis assinem a planta relativa ao prédio usucapiendo.
Embora a lei somente se refira aos titulares registrais (i.e., os que tenham títulos registrados ou averbados –sem discriminar se as inscrições concernem a direitos reais ou pessoais), a mera indicação do fato de ser possuidor dos prédios confrontantes do imóvel usucapiendo convoca a participação no correlato processo extrajudicial, seja por meio da assinatura na planta, seja mediante posterior notificação.
Ainda que a posse não se inscreva no registro imobiliário brasileiro, há um argumento que parece dar foro de plausibilidade de, no processo extrajudicial de usucapião, propiciar-se a participação estendida dos possuidores de imóveis confinantes do usucapiendo. É que não se sabe, a priori ou com a certeza desejável, a que título a posse se exercita, e, na dúvida sobre seu caráter ad usucapionem, a prudência sugere que se dê audição a possíveis interessados, beneficiando o direito de contraditório e de defesa.