Desde o início do mês de fevereiro os Cartórios brasileiros passaram a ter uma nova atribuição: comunicar atos suspeitos de corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão hoje vinculado ao Banco Central do Brasil.
A norma, instituída pelo Provimento nº 88/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especifica que os cartórios das diferentes especialidades – registro de imóveis, tabelionatos de notas, tabelionatos de protesto, registro de títulos e documentos – devem estar atentos a uma série de requisitos a serem observados em ações cotidianas das pessoas físicas e jurídicas, como a compra e venda de imóveis, procurações, dívidas e a constituição de empresas.
A publicação do regramento, embora tardio no Brasil – uma vez que a Lei de Lavagem de Dinheiro data de 1998 (Lei Federal nº 9.613), coloca os cartórios do País em pé de igualdade com seus congêneres internacionais de países como França, Alemanha, Portugal, Itália e Espanha.
Neste último, os cartórios tiveram atuação reconhecida internacionalmente pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (GAFI), entidade responsável pelo prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro em todo o mundo: “entre os sujeitos não financeiros obrigados a comunicar, o fortalecimento das medidas preventivas mais significativo se deu no setor do notariado, que obteve êxitos consideráveis como consequência da criação do Órgão Centralizado de Prevenção (OCP), que aumentou a conscientização e a capacidade de todo o setor”, destacou o relatório do órgão ao ser referir às mais de 180 mil operações suspeitas comunicadas pelos notários espanhóis desde 2006.
Na prática, o Provimento nacional estabelece uma série de situações onde as comunicações serão feitas de forma automática e obrigatória, como nos casos de registros de transmissões sucessivas do mesmo bem, em período não superior a seis meses, nas operações que envolvam o pagamento ou recebimento de valor em espécie, igual ou superior a R$ 30 mil, nos registros nos quais constem diferenças entre a avaliação fiscal do bem e o valor declarado, ou entre o valor patrimonial e o valor declarado, na operação ou conjunto de operações relativas a bens móveis de luxo ou alto valor, assim considerados os de valor igual ou superior a R$ 300 mil, entre outras casos.
Também haverá casos onde a operação é considerada suspeita, cabendo ao notário ou ao registrador avaliar diretamente se deve ou não ser comunicada: como nas situações de operações incompatíveis com o patrimônio ou com a capacidade econômico-financeira do cliente; nas cujo o beneficiário final não seja possível identificar; nas que envolvem países ou dependências considerados pela Receita Federal de tributação favorecida e/ou regime fiscal privilegiado, nas que indiquem substancial ganho de capital em um curto período de tempo, entre outros 28 casos previstos na norma.
Para fazer frente a esta nova ação de colaboração com o Estado brasileiro, os Cartórios de todo o País tiveram que cadastrar um profissional no Sistema de Controle de Atividades Financeiras (SISCOAF), chamado oficial de cumprimento, que será responsável por comunicar via sistema eletrônico as operações suspeitas. Nas comunicações deverão ser preenchidos os dados do cliente, uma breve descrição da ação realizada, o valor da operação e a data do ocorrido. A comunicação é sigilosa e cabe ao COAF, mediante análise técnica, decidir se o ato deverá ou não ser investigado.
Pessoas politicamente expostas
À exemplo do que ocorre em outros países e também na própria legislação brasileira, as pessoas politicamente expostas mereceram tratamento diferenciado na regulamentação do CNJ. O texto destaca que nos casos que envolvam detentores de mandatos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo, membros do Poder Judiciário e ministros de Estado, assim como no de seus representantes, familiares e pessoas de relacionamento próximo, deverão ser executados os procedimentos previstos pela Resolução nº 29/2017.
Entre os procedimentos especiais estão: obter autorização prévia do sócio administrador para o estabelecimento de relação de negócios ou para o prosseguimento de relações já existentes, adotar as devidas diligências para estabelecer a origem dos recursos e conduzir o monitoramento reforçado e contínuo da relação de negócio.
Outro ponto de destaque é a formação do Cadastro Único de Clientes do Notariado, que reunirá as informações fornecidas pelos próprios notários de forma sincronizada ou com periodicidade, no máximo, quinzenal, sobre os beneficiários finais de um determinado negócio jurídico. Neste cadastro também deverão ser disponibilizadas listagens de fraudes efetivas que tenham sido comunicadas pelos cartórios.
Para fechar o ciclo deste avanço normativo no combate à corrupção, é imperioso que o Legislativo brasileiro siga o regramento de outros 89 países do mundo, que operam segundo os padrões do direito latino, e faça prevalecer a constituição, alteração e extinção de empresas por meio de escrituras públicas, fechando de vez o cerco às chamadas empresas de fachada e seus laranjas, que hoje utilizam os chamados contratos particulares.
Até lá, os Cartórios, hoje administrados por profissionais formados em Direito, aprovados em rigoroso concurso público, e que já contribuem na fiscalização de tributos aos entes públicos, na segurança das relações pessoais e nos negócios jurídicos patrimoniais, abraçarão este novo desafio, estando ao lado da sociedade para operar as principais mudanças que o Brasil precisa. E o combate à corrupção é a mais premente delas.
*Giselle Oliveira de Barros, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal
Fonte: Estadão