Clipping – Estadão - O que Gugu pode nos ensinar sobre sucessão patrimonial?

Clipping – Estadão - O que Gugu pode nos ensinar sobre sucessão patrimonial?

Todos têm uma opinião sobre o aparente conflito entre os familiares do Gugu e as suas disposições deixadas em testamento. Que tal fazer uma reflexão sobre a sua própria sucessão?

Em geral, ouso dizer que você se identifica com um dos seguintes grupos: o grupo dos que ingressam em mais um ano sem ter implementado qualquer providência relacionada à sucessão, ou o grupo daqueles que, embora tenham implementado alguma providência no passado, deixam de executar a necessária revisão das suas disposições. E o que esses dois grupos têm em comum? Uma busca interminável pelo momento ideal, seja para o enfrentamento das consequências da morte – que embora natural, ainda guarda um enorme tabu -, seja para a satisfação de todos os efeitos possíveis e inimagináveis sobre os herdeiros. Infelizmente, não raras vezes o inevitável chega antes do momento ideal, atingindo pesadamente a família que aqui fica, tanto no plano emocional, como no material.

Costumamos dizer que no ramo do direito sucessório, se você não fala, a lei vai falar por você e, por melhor que seja o bom senso do legislador, ele não vai atender a especificidade da sua família, muito menos o seu desejo em particular. Daí a importância de você se manifestar através de um testamento.

Eu sou livre para dispor sobre a forma de distribuição de todos os meus bens?

Se no seu falecimento você deixar herdeiros necessários (filhos, cônjuge a depender do regime de bens e/ou pais na ausência de filhos), você não é livre para dispor sobre a totalidade dos seus bens, você só poderá dispor livremente sobre 50% (parcela da disponível), os outros 50% (parcela da legítima), será necessariamente destinada aos herdeiros necessários.

Tenho filhos menores de idade e tenho preocupação quanto a inexperiência deles e da própria mãe em relação a forma como vão administrar os bens recebidos da partilha da herança. Posso colocar condições para eles observarem ou determinar uma terceira pessoa para a gestão desses bens?

Estas condições podem ser entendidas como encargos, logo, só serão válidas para a parte da disponível (50% dos bens partilháveis). O estabelecimento de qualquer tipo de encargo sobre a parcela da legítima (os outros 50%) pode gerar a nulidade da disposição testamentária.

Tenho uma relação conjugal informal sem qualquer contrato há mais de 20 anos, inclusive, tenho filhos comuns dessa relação, mas moramos há vários anos em endereços diferentes. Há uma união estável nesse caso? Quais são os direitos dessa pessoa?

Morar em endereço diferente não é suficiente para descaracterizar uma união estável, o que importará aqui é o ânimo comum de constituir família. Como se trata de um conceito bastante subjetivo, normalmente o assunto acaba indo para os tribunais. Caso se confirme a união estável, a lei aplicará o regime da comunhão parcial de bens, ou seja, no seu falecimento essa pessoa terá direito a 50% dos bens originados durante a união estável (meação) e dividirá a propriedade dos bens originados antes da união com os demais herdeiros necessários.

Quem é o responsável pela administração dos bens do falecido entre a data do falecimento e a data da partilha dos bens?

Neste período, a administração dos bens se dará pelo inventariante. Se não houver testamento, a lei estabelece que o inventariante será, em primeiro lugar, o cônjuge e/ou convivente, em segundo lugar, o herdeiro que já se encontrava na administração dos bens do falecido e, em terceiro lugar, qualquer herdeiro, etc… No entanto, se houver testamento que indique o nome do inventariante, prevalecerá o nome lá indicado pelo falecido.

É possível estabelecer que tanto eu como o meu cônjuge renunciemos ao direitos de herança em benefício dos nossos filhos?

Ainda que comumente firmado, este tipo de documento só produz efeito moral, pois, qualquer um dos cônjuges em posição de beneficiário de herança pode ou não respeitar o que estiver contratado. Nossos tribunais tem entendimento pacificado no sentido de que é nulo qualquer contrato que trate de herança entre pessoas vivas.

No que se refere aos bens, qual é a diferença entre testamento e testamento vital?

O testamento só produz efeitos a partir do falecimento da pessoa, trazendo disposições sobre a forma de partilha dos bens deixados pelo falecido. Já o testamento vital, também chamado de auto curatela, se presta a regular a forma de administração dos bens do testador entre a sua incapacidade e o seu falecimento. Infelizmente, a prática nos tem mostrado que o patrimônio do idoso incapaz, muitas vezes, se consome antes do seu falecimento – especialmente por desvios ou má administração de curadores despreparados para o trato com o patrimônio do idoso. O testamento vital revela-se como um instrumento muito importante na preservação da dignidade do idoso, pois, este pode definir enquanto capaz o nome de curadores mais profissionais e próximos da pessoa dele.

O testamento deve ser atualizado com qual periodicidade?

Não há periodicidade mínima ou máxima a ser observada. O ideal é que ele traga conceitos, princípios, evitando elementos excessivamente suscetíveis ao tempo. Ainda assim, é importante lembrar que as relações familiares e os desejos do testador podem se alterar com o tempo, logo, ocorrendo quaisquer dessas situações,o testamento pode ser alterado por simples ato do testador, não sendo necessário dar qualquer conhecimento ou obter anuência dos herdeiros ou demais beneficiados. Valerá sempre o último conteúdo registrado, desprezando-se por completo qualquer instrumento de testamento anteriormente firmado.

Enfim, são essas as considerações que trago inspirado nas notícias relacionadas ao saudoso Gugu que, mesmo longe, nos ajuda na reflexão da nossa própria sucessão. Aos que chegam ao final desse artigo com o pensamento de que por não terem bens a partilhar, desnecessária a preocupação com este tema, ressalto que o adequado planejamento sucessório é muito mais amplo que o trato relacionado aos bens, deve ser visto primeiramente como um instrumento de preservação do patrimônio afetivo da família que, por simples consequência, também proporcionará a preservação do patrimônio material.

*Nereu Domingues, sócio da Domingues Sociedade de Advogados

 

Fonte: Estadão